Picadeiro
Tholl, o grupo “Exotique” do Sul
Tholl é companhia e escola de circo de Pelotas, cidade do Rio Grande do Sul
O espetáculo “Exotique” (2009) esteve na capital paulista no início de 2012 no Teatro Bradesco em evento fechado do shopping Bourbon, ao qual o site Panis & Circus teve acesso. O espetáculo agradou à plateia lotada, que se emocionou com números circenses e de pantomima (teatro sem palavras). Um elenco de cerca de 20 artistas o apresentou.
No enredo, um palhaço procura seres parecidos consigo mesmo entre números de corda, trapézio, equilibrismo, malabarismo e com monociclos. É uma festa para os sentidos, com direito a chuva de papel prateado e jogos de luz hollywoodianos.
O grupo Tholl é uma companhia dirigida por João Bachilli, de Pelotas, e mantém uma escola de circo, sediada nessa cidade. Estreou no final de 2006 e tem apoio cultural da Universidade Católica de Pelotas. Ainda para 2012, prepara a nova montagem, “Alkhemia”.
Pingue-pongue
Panis & Circus – Conte sua história, é uma surpresa conhecer o Tholl.
João Bachilli – Eu trabalhava como ator de teatro e como técnico de ginástica olímpica. Fui ginasta e quis juntar essas coisas. Reuni amigos que treinavam ginástica olímpica comigo, montamos festas, eventos, oficinas, e o trabalho criou corpo. Nós nos aprimoramos com cursos e hoje temos a Tholl Escola, coordenada pela pedagoga Adriane Silveira, que é doutora e conhecedora de tudo isso. A gente usa o circo para formar, antes de tudo, cidadãos, pessoas com autoestima. O circo é pretexto para que tenham tal oportunidade.
Circus – Como Tholl é recebido em Porto Alegre?
Bachilli – O porto-alegrense nos considera filhos da terra e nos trata assim. Acha que somos de lá, pensamento de quem mora em capital, ele nos trata como se fôssemos de casa e lotamos os teatros em Porto Alegre.
Circus – Tholl pode ser comparado com o Cirque de Soleil?
Bachilli – O Soleil é uma superpotência, com uma injeção de dinheiro fantástica e gera muito mais dinheiro porque têm uma infinidade de espetáculos com valor de ingresso altíssimo.
Repertório da companhia – “Tholl Imagem e Sonho”
Circus – Qual é o repertório do grupo, além de “Exotique”?
Bachilli – Hoje há mais de 150 jovens no nosso centro de treinamento e 70 deles atuam em nossos três espetáculos. “Tholl Imagem e Sonho”, primeiro espetáculo do grupo, completa dez anos e foi visto por mais de um milhão de espectadores pelo Brasil inteiro. “Circo de Bonecos” tem um ano.
“Tholl Imagem e Sonho” é o carro-chefe do nosso grupo, é um espetáculo mais lúdico e mais ingênuo que “Exotique”.
“Circo de Bonecos”
Circus – E o “Circo de Bonecos”?
Bachilli – “O Circo de Bonecos” é um espetáculo infantil do Oscar Von Pfuhl. Ele escreveu a história de um circo que tem um dono malvado. O dono explora os bonecos, e eles percebem que não são mais bonecos e criam vontade própria e vida própria. O texto é de 1978, 79.
“Exotique”
Circus – Em “Exotique”, você diz que a sucessão de números do circo é mais importante que o enredo. A história só costura os números entre si?
Bachilli – Como no circo tradicional, é isso, são os números isolados e depois vem o que é a modernidade no circo, que é colocar um fio condutor que dá unidadeao espetáculo. No caso, é o palhaço que veio fugido do mundo dele, que estava numa situação de opressão. A gente sempre deixa uma margem para o público se emocionar.
Circus – O figurino e a cenografia são de sua autoria?
Bachilli – Sim, trabalhei com três cores e associei certas cores ao mundo do viajante. Existem poucos técnicos nessa área [em Pelotas] e a gente domina aos poucos. Há coisas que surgem e são importantes para o trabalho, como o LED… A cola quente salvou todo mundo… A gente já colou até mastro de cena com o qual não tinha mais nada a fazer, com cola quente.
Circus – Quais artistas influenciam suas criações?
Bachilli – Monet, Salvador Dalí. Às vezes, muita gente faz um trabalho artístico e quer que ninguém entenda, e as pessoas gostam para não se acharem burras, em vez de dizer: “Não entendi”, ou: “Não me tocou”. Nossas criações surgem intuitivamente. A gente se sente livre para fazer o que está com vontade.
Circus – Vocês têm lona?
Bachilli – Nossa proposta é palco italiano e temos o formato de espetáculos para ginásio. Fazemos a caixa preta do teatro para coloca-la no ginásio, que é muito maior, tem altura para voo.
O que nos interessa é mostrar nosso trabalho. Já nos apresentamos em cidades que tinham bons ginásios, mas há outras onde atravessamos uma hortinha para chegar ao palco porque é uma comunidade rural lá no Rio Grande do Sul. A população adora ver nossos espetáculos, ficam maravilhadas. No Rio Grande do Sul, estivemos em cada buraquinho nos apresentando, até porque os gaúchos têm orgulho de nosso trabalho, especialmente os pelotenses.
O novo espetáculo, “Alkhemia” contará história da alquimia
Circus – O que vem pela frente?
Bachilli – A nova montagem “Alkhemia”, sobre a história da alquimia, um espetáculo circense. Tem outro tipo de pesquisa, a Adriana participa dela também. A gente começa na China e passa por várias épocas. Dentro de cada época, pinça alguma coisa legal para colocar nos números.
Trabalho com a comunidade local
Circus – Seu grupo tem um projeto com criança carente?
Bachilli – A gente não dá nome a ele, a gente é adepto à comunidade. Dentro de uma comunidade, existem pessoas com mais ou menos poder aquisitivo ou sem poder aquisitivo e elas fazem gratuitamente as aulas.
Não cobra nada porque acredita nisso. Tanto é que quebra um pouco essa história… O grupo está conhecido, foi a todos os programas televisivos, como “Caldeirão do Huck”, “Faustão”, “Xuxa”, com somente três anos de existência.
Financiamentos tornam sonho possível
Circus – Quem paga a conta?
Bachilli – O próprio grupo. O elenco não tem nenhum tipo de gasto e recebe os cachês. A gente produz o grupo e vende o espetáculo, tem três produtores, Elaine Acosta, Adriane Silveira, Beatriz Araújo, além da Neusa Neves, que faz parceria com Adriane. A gente tem projetos com incentivos pela Lei Rouanet, mas o grupo se autossustenta, então, pode dar certo, sim, sem ter de mamar nas fontes que todo mundo quer.
Há também núcleos de animação para eventos de cliente que querem o Tholl e compram para interagir. Às vezes escolhem um número separado e isso gera renda. Todos no grupo têm moradia e adquirem as coisas que desejam.
Circus – Quais empresas amigas do Tholl, que já patrocinaram vocês?
Bachilli – Marisol, Chevrolet, Eletrobras. Todos os nossos projetos foram dentro da Lei Rouanet, federal.
RETRATOS DE ARTISTA
Protagonista de “Exotique”
Rodrigo Bach nasceu em Pelotas e disse que ama sua cidade. Em “Exotique”, faz o papel do protagonista, palhaço andarilho que sai em busca de algo misterioso, percorrendo um longo caminho sempre em interação física com os outros personagens, através de coreografias, já que o espetáculo não usa a linguagem verbal. A seguir, a leitura que Rodrigo faz do espetáculo.
Panis & Circus – Você é ator, palhaço, artista de circo e do mundo do entretenimento?
Rodrigo Bach – A gente faz um pouquinho de tudo, mas minha base é como ator e palhaço. Eu danço também e conheço um pouquinho das técnicas circenses nesse tempo que estou trabalhando.
Circus – Há quanto tempo trabalha com o grupo Tholl?
Rodrigo – Faz 12 anos. Comecei com 16 anos, tarde para o circo, mas já estou com o grupo há bastante tempo.
Circus – Seu personagem palhaço tem traços do teatro Nô, japonês. Em algum momento você pensou nisso?
Rodrigo – Não, comecei a fazer esse palhaço específico a partir desse espetáculo. Anteriormente participei de outra montagem do grupo. Minha ideia, no primeiro momento, era quebrar o que eu tinha explorado antes.
Todo trabalho que desenvolvo quero que seja algo diferente do que eu tenha feito antes. Eu tinha esse palhaço na cabeça e queria que fosse um personagem torto, uma figura quebrada. Fui construindo. O João me orientava e aí surgiu o personagem, mas não teve nenhuma inspiração específica ou predeterminada, ainda que a gente receba informações de várias fontes.
Circus – Onde você estudou?
Rodrigo – Comecei no grupo Tholl, em que me formei como artista. É importante para quem trabalha com formação de artista circense como eu. Claro que fui buscar coisas fora, fiz cursoA para me especializar nas áreas em que atuo mais.
Circus – Fale da história de seu personagem em “Exotique”.
Rodrigo – É um viajante que descobre um lugar onde há seres que têm semelhanças com ele. Eu o vejo como um brincalhão, ele aproveita tudo que acontece com ele, que se oferece para participar. No final, ele deixa um presente para as pessoas com quem ele brincou bastante, por exemplo, a nossa pequena personagem.
Mascote em cena, “voando pelas nuvens”
Evelyn Araújo tem sete anos, está na 2ª série e exibe uma incrível flexibilidade física. Sua atuação em “Exotique” lembra a da menina-borracha do circo tradicional. Evelyn se destaca pelas acrobacias aéreas e de solo.
Panis & Circus – Desde quando é artista de circo?
Evelyn Araújo – Desde os quatro anos.Comecei com ginástica no meu colégio e aí minha professora me trouxe para cá e aí João me escolheu e eu fiquei treinando. Essa professora é contrarregra do “Exotique”.
Circus – Como faz para ter essa destreza toda, ser tão flexível?
Evelyn – Tem que treinar bastante. Eu treino de três a quatro horas por dia.
Circus – Conte um pouco da história de sua personagem.
Evelyn – Minha personagem… o Rodrigo normalmente é meu pai, eu chego ao mundo e encontro outra espécie de pessoas, que são da minha espécie. Os números circenses acontecem porque eles queriam ficar comigo, não queriam que eu fosse embora.A parte em que eu voo. A sensação é a de um pássaro voando pelas nuvens.
Grazi e Nicolas interpretam criaturas de mundo paralelo
Grazi Zanolla é uma das atrizes de “Exotique” e dá um show nos movimentos coreográficos, que misturam dança e números circenses acrobáticos. Grazi concedeu entrevista ao lado de Nicolas Rodrigues. Os dois gaúchos de Pelotas revelam um tantinho dos segredos do espetáculo. Confira.
Panis & Circus – Você está com o Tholl desde a estreia de “Exotique”?
Grazi Zanolla – Sim, desde o início, faz três anos. Faço números aéreos no arco e a lira, chicote e participo de várias cenas. O número que mais gosto é o arco, que treino há bastante tempo.
Circus – Fale um pouco de sua personagem tão exótica.
Grazi – Minha personagem é a Tadsy, ela é curiosa e a primeira a se dar conta de que o Rodrigo é parecido com a gente. Então ela começa a mostrar o mundo onde vive para ele, e o espetáculo é isso: um viajante encontra esse mundo mágico e diferente e acaba nos conhecendo.
Circus – Nicolas, conte como são ruas, bairros e lagos do espetáculo.
Nicolas Rodrigues – O espetáculo é cheio de surpresas, então, o novo integrante da trupe que chega a esse mundo desconhecido vai conhecendo o que o espetáculo tem para mostrar junto com o público. É uma viagem que ele segue, na frente do público, e se depara com a plateia. Ele chama a plateia para participar. O espetáculo interage com o público e a ideia é essa mesmo.
Circus – Esses seres deixam de ser reais à medida que conseguem voar?
Nicolas – O “Exotique” passa por vários mundos reais e surreais e chega ao mundo obscuro até que nosso pequeno anjo aparece e transforma tudo em luz.
Circus – Você acha que o público entende assim?
Nicolas – O espetáculo tem roteiro preestabelecido, mas, no intervalo, a interpretação do público fica livre. Não é toda cena que se encaixa dentro da história, há uma linha; nos intervalos, quem faz a interpretação é o espectador.
Circus – A linha seria esse viajante com a mala?
Nicolas – Exato, ele vem e se depara com esse novo mundo e guarda a mala como uma coisa muito importante até que todos se surpreendem com o que há dentro da mala. O desfecho do espetáculo envolve o que tem dentro da mala.
Doutora por Coimbra, Adriane Silveira lidera formação de artistas
Panis & Circus – Qual é o seu trabalho na companhia Tholl?
Adriane Silveira – Estou nos bastidores do espetáculo e em toda a infraestrutura de formação dos artistas, que apresentam “Imagem e Sonho”, “Exotique” e “Circo de Bonecos”.
O grupo assumiu uma escola de formação em artes circenses, nossos artistas que estão no palco são profissionais da arte, são atores, artistas circenses, têm registro profissional. Isso ocorreu devido a um processo que levou certo tempo até a gente adquirir a condição de constituir um grupo que faz arte e ensina arte.
Todos que integram o grupo têm formação em diversas áreas, fazem aulas de música, dança, balé, técnicas circenses, como acrobacias aéreas e de solo. Os jovens ainda em idade escolar têm o tempo inteiro preenchido no nosso centro de treinamento, que hoje é um centro de formação.
Circus – É difícil integrar o Tholl?
Adriane – Como nós nos autossustentamos, temos de limitar as vagas, não podemos abrir muito porque não teríamos condições de sustentar esses artistas, que são profissionais, são os professores dessas artes. Eles se dividem ente o palco e a formação de crianças e jovens. Temos oficinas de artes circenses, de palhaço, maquiagem de palhaço, criada pelo João.
Nosso interesse é que a arte circense tenha divulgação e que seja considerada uma arte nobre. Ela é uma arte completa, que tem música, teatro, dança, mas lida também com poesia, literatura.
Circus – O que você estudou?
Adriane – Sou pedagoga e psicopedagoga e fiz mestrado e doutorado em educação na Universidade de Coimbra. Educação e cultura. A cultura está presente nas áreas humanas, educação sem cultura é mero ensino, e por meio da arte a gente consegue o desenvolvimento cultural.