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Um eloquente elogio aos palhaços
Gags revelam a ética por trás do humor circense
Oscar Pilagallo
“O Elogio da Bobagem”, de Alice Viveiros de Castro, é de 2005, bem anterior, portanto, às bobagens que o Rafinha Bastos falou e às bobagens ainda maiores que elas provocaram. Refiro-me ao episódio envolvendo a cantora Wanessa e que culminou com a saída de Rafinha do “CQC” e da TV Bandeirantes. Lido hoje, no entanto, o livro de Alice Viveiros de Castro soa como um comentário pertinente ao imbróglio causado pela alegada ausência de limites do comediante.
A obra é sobre palhaços, e Rafinha é comediante. São personagens que habitam universos diferentes, embora com alguma sobreposição, já que têm o riso como denominador comum. O comediante conta a piada; o palhaço é a piada.
Ainda assim, as observações da autora sobre a ética do riso se aplicam ao métier do comediante. “O riso pode ser transgressor ou opressor”, diz Alice. “O riso liberta e reprime. Tudo depende do momento e de como e quem o provoca e para quem, com quem e de quem se ri.”
Para a autora, o contraponto às piadas racistas, sexistas e fascistas “não é a elaboração de um manual de boas maneiras ou um livreto sobre o que é e o que não é politicamente correto”. Segundo ela, “o contraponto para o deboche repressor e constrangedor é a sensibilidade e a consciência do cômico, daquele que pretende provocar o riso alheio”. A autora exemplifica: “Judeus são os melhores contadores de piadas sobre judeus, assim como as melhores farpas e ironias sobre bichinhas foram as que ouvi contadas por homossexuais”.
Qual o limite do humor? Para Alice, “podemos rir de gordos, magros, cegos, advogados, jornalistas, sapatões, machões e o que mais o nosso humor inventar. A grande diferença entre humilhar e brincar é a que existe entre rir de e rir com”. Não se trata, aqui, de condenar ou absolver Rafinha. Muito menos com base em texto escrito antes do episódio. Trata-se, isto sim, de refletir sobre os limites do humor, e de sugerir que, em eventuais futuros quiproquós em tempos de hegemonia do politicamente correto, se use a formulação simples do “rir de” e “rir com” para estabelecer parâmetros aceitáveis.
Palhaços desde sempre
Palhaços – o objeto do livro de Alice – estão no time saudável do “rir com”. Há palhaços desde sempre no mundo, qualquer que seja a cultura. E Alice conta sua história desde quando os que provocavam o riso não tinham ainda esse nome. “Desde o início dos tempos, o riso foi e ainda é utilizado como elemento ritual para espantar o medo”, escreve a autora.
O livro apresenta palhaços das várias épocas, dos bufões que podiam ridicularizar os faraós do Egito (ainda que sob o risco de morte) aos palhaços modernos, dos circos, passando pelos bobos da corte da Idade Média.
Mais da metade do livro é dedicada aos palhaços do Brasil. A autora nota que um deles, Diogo Dias, escreveu um capítulo divertido da história do Descobrimento. Foi ele que, logo após a chegada de Pedro Álvares Cabral, dançou de mãos dadas com os índios ao som de uma gaita. Pero Vaz de Caminha, em sua famosa carta, o chama de “homem gracioso”. Alice explica que na época o termo era utilizado para designar atores cômicos. “Os dicionários mais antigos indicam histrião e bobo como sinônimo de gracioso, ou seja, palhaço.”
A obra lista os grandes palhaços do Brasil, entre eles, Polyodoro, Pompílio, Piolin, Arrelia e Carequinha, todos brindados com breves perfis. Outros entram no livro por uma ou outra circunstância. É o caso do palhaço Veludo, cuja história foi resgatada por Mário de Andrade, o primeiro pesquisador a se interessar pela figura dos palhaços cantores e a apontar o seu papel na história da música brasileira. Ele cantava uma versão de “Lundu do Escravo” que era entoada pelo menos desde 1876 por outro palhaço, Antoninho Correia, de acordo com a pesquisa do estudioso do folclore brasileiro.
Bobagem? Só se a palavra for aplicada com a conotação positiva que Alice lhe emprestou.
A obra
“O Elogio da Bobagem – Palhaços no Brasil e no Mundo”.
Autora: Alice Viveiros de Castro
Editora: Família Bastos (Rio de Janeiro, 2005, 274 páginas)
O livro está esgotado, mas é possível comprá-lo neste.
Tags: Alice Viveiros de Castro, Bobagem, Elogio