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Um Palhaço mau pode destruir sua vida!
Cafi Otta, especial para Panis & Circus
“Cuidado, um palhaço mau pode arruinar a sua vida” é o título do espetáculo do palhaço Chacovachi. O título do espetáculo dá o tom do que acontece durante a apresentação, mas apesar do susto inicial, aqueles que têm coragem para sentar na plateia vão se surpreender com as visões de mundo do artista argentino. Como ele mesmo diz, sua perspectiva não é a melhor, e nem a pior, é apenas a sua visão.
Vou relembrar um pouco da minha história com este espetáculo e com o próprio Chacovachi.
Em 1998 saí de São Paulo rumo ao Rio de Janeiro, mais precisamente para a cidade de Maricá, onde seria realizada a 2ª Edição da Convenção Brasileira de Malabarismo e Percussão. Foi minha primeira convenção de malabares, e também a primeira vez que pude ver a figura do palhaço argentino Chacovachi. Assim como boa parte dos que o vêem pela primeira vez, fiquei deslumbrado.
Aliás, assistir ao mesmo espetáculo muitas vezes, durante diferentes períodos da sua vida, é uma experiência e tanto. O que começou com o deslumbre lá em Maricá passou por diferentes sentimentos durante estes mais de 15 anos e pelo menos outras quatro vezes em que assisti o espetáculo: revolta, crítica, desgosto e, finalmente, admiração.
Durante muito tempo achei desnecessária e violenta a maneira como ele trata a plateia, especialmente seus voluntários, geralmente crianças. Ele não perde nenhuma oportunidade de fazer piadas usando seus voluntários, e não os poupa de seu humor ácido. Um exemplo: assim que a criança sobe ao palco, começa a alisar seus cabelos num gesto aparentemente de carinho. Logo troca a mão que acaricia os cabelos da criança para, segundo ele, limpar a outra mão que também estava suja.
Chacovachi esteve no Brasil, nos dias 26 e 27 de março desse ano, e lá fui eu ver novamente o espetáculo.
A apresentação aconteceu no pequeno auditório do terceiro andar da unidade de Pinheiros, com capacidade para menos de 100 pessoas, bem diferente de todas as vezes em que pude assisti-lo, e com certeza o oposto do que o próprio Chaco está acostumado. Sua especialidade é a rua, e talvez seja o maior representante – se não for o precursor – do que hoje se chama de artista de rua sul americano. Domina como poucos este espaço disperso, caótico, barulhento, onde o artista precisa dominar seu público do começo ao fim da apresentação, afinal todos podem sair a hora que quiserem. Mas a sala fechada, com seu ambiente hermético e controlado não nos pareceu um obstáculo para Chaco, que conduziu a apresentação como se estivesse numa praça qualquer. A única diferença é que não passou o chapéu ao final, coisa que ele faz como ninguém.
O primeiro número apresentado por ele é uma música feita com garrafas, em que pessoas da plateia tocam as garrafas sob sua regência. Mas os sinais usados pelo maestro para comandar seus músicos são um tanto inusitados. Gestos obscenos e até cusparadas fazem as vezes dos gestos comedidos e dos olhares discretos dos maestros normais. Talvez os mesmos gestos que esses maestros normais usariam com seus músicos não fossem as regras morais que regem nosso convívio em sociedade, já que muitos destes maestros são conhecidos por sua fúria e intransigência nos bastidores.
Em seguida chega o momento do número com uma criança do público. Acontece que o espetáculo foi a noite, com classificação indicada para 14 anos de idade. Na plateia havia apenas uma criança, meu filho Danilo, de 8 anos de idade. E não deu outra, ele foi chamado por Chaco e aceitou o convite. Pronto, lá estava eu na posição do pai do menino que será destruído pelo palhaço mau. Poderia sentir na pele aquilo que tanto critiquei. Na prática o que vi foi meu filho se divertindo com todas as piadas que antes julguei de mal gosto, politicamente incorretas e até covardes, afinal é apenas uma criança que não pode se defender da falta de juízo deste cara maluco. Como diria minha amiga Lu Lopes (a Palhaça Rubra) toma gereba!!!
Danilo se divertiu, adorou fazer parte do espetáculo. Em casa, antes de sairmos para o Sesc, contei pra ele um pouco sobre o espetáculo e sobre esta cena, então ele já sabia um pouco do que poderia acontecer, mas deu pra ver nos seus olhos e nas suas reações que nada daquilo era encarado como ofensa, pelo contrário, era uma grande brincadeira conduzida por Chaco com cuidado, carinho e respeito.
O espetáculo seguiu para deleite completo dos presentes. Toda a acidez das críticas que Chaco faz ao capitalismo, aos políticos de direita que, segundo ele estão de olho na América do Sul, prontos para dar o bote a qualquer momento e a religião e seus dogmas milenares caíram muito bem para uma plateia composta de muitos artistas circenses, atores e entusiastas.
Foi uma verdadeira aula de como ser politicamente incorreto – ou artisticamente interessante – sem precisar ser um idiota, coisa que muitos humoristas precisam aprender.
Como é bom poder assistir grandes artistas, em espetáculos com mais de 30 anos de existência. Chacovachis, Avners, Biribinhas, Picolinos e afins são provas vivas de que a perfeição pode ser buscada, mesmo que provavelmente nunca será encontrada. O domínio com que conduzem seus espetáculos é algo que me fascina, e no caso do Chaco posso dizer que só resta muita admiração por seu trabalho. As questões levantadas por ele são extremamente relevantes e nos faz pensar nas nossas ações diárias, naquilo que fazemos para deixar o mundo melhor ou pior, questões que todo artista deveria ter em mente quando sobe num palco, picadeiro ou praça.
Postagem – Alyne Albuquerque