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Um palhaço oswaldianamente engraçado
Oscar Pilagallo
Ao preencher a ficha de um hotel, Hugo Possolo poderia escrever, no espaço em que se pergunta a ocupação do hóspede, várias atividades a que se dedica. Ele é ator, dramaturgo, cenógrafo, figurinista, aderecista e diretor. É ainda formado em jornalismo. Possolo, no entanto, anota com indisfarçável orgulho: palhaço.
Se não fosse levantar muita suspeita, ele poderia ser ainda mais honesto e escrever: palhaço-bomba. A descrição lhe causaria problemas, mas sem dúvidas seria mais precisa. Possolo não é um palhaço qualquer. É um palhaço provocador, uma bomba ambulante prestes a explodir nos palcos e picadeiros. Por isso, se na ficha de hotel é simplesmente “palhaço”, no livro que reúne crônicas e artigos publicados na imprensa ele é, como diz o título do volume, o “Palhaço-Bomba”.
Na abertura Possolo deixa claro a que veio: é um livro sobre os três poderes. Mas, se fosse sobre os três poderes constitucionais, esse seria mais uma obra de cientista político. A que poderes ele se refere então? O poder dos palhaços, claro, em primeiro lugar. Depois é citado o poder dos políticos, com o comentário de que se trata de “o poder mais ridículo”. Por fim, o terceiro poder é o da mídia, “o mais perigoso”.
Possolo dispensa apresentações. Basta dizer que criou o Parlapatões, Patifes & Paspalhões, conhecido apenas por Parlapatões, um dos mais criativos e inovadores grupos teatrais surgidos no Brasil nos últimos tempos. Possolo é professoral ao se referir ao Parlapatões: “Desde sua origem, no início da década de 1990, o grupo busca colocar em debate as diversas interpretações do riso e sua função social, visando reforçar a relevância histórica do humor não apenas nas artes, mas na cultura brasileira”.
O livro vai na mesma toada do trabalho no teatro: “Escrevo mesclando a voz do palhaço, que promove a alegria, e a do cidadão inconformado, prestes a mandar tudo ir pelos ares”. Possolo não tem exatamente um modelo, mas a irreverência, as tiradas, as idiossincrasias, a agitação cultural, tudo isso remete à produção do grande animador da Semana de Arte Moderna de 1922: Oswald de Andrade. O paralelo é sugerido no prefácio por Aimar Labaki.
Oswald de Andrade também se dizia palhaço. A diferença é que o modernista afirmou isso num contexto de autocrítica. Enquanto punha fogo na festa dos vanguardistas, ele divertia a todos, inclusive os cafeicultores chiques que patrocinaram a Semana. Mais tarde, tornou-se comunista, e foi então que se descreveu como “clown da burguesia”.
Os textos de Possolo confirmam a aproximação com o viés oswaldiano. A sátira está por todos os lados. E há também referências diretas. No título de um artigo a homenagem é explícita: “A alegria é a prova dos nove”. Em outra passagem ele conclama: “Sejamos oswaldianamente antropófagos”.
Possolo tem em mente o Cirque du Soleil. Nada de negar as qualidades do grupo bem-sucedido. Nada de xenofobia tacanha. Como Oswald, Possolo quer “comer” a cultura estrangeira – mas apenas para degluti-la como algo brasileiro. Perguntam a ele se gostaria de trabalhar no Cirque du Soleil. E ele: “Não! Prefiro ser o dono”. Não é apenas blague. Empregado, ele seria parte da engrenagem estrangeira. Dono, daria feições brasileiras ao espetáculo: o cirque viraria circo. O autor foi ver “Saltimbanco”, trabalho do Cirque de 2006, e saiu angustiado. “Não pelo espetáculo, mas por constatar o provincianismo de uma elite que desconhece nossos maiores talentos, criatividades e valores.”
Nos textos reunidos, o autor fala sobre palhaços conhecidos e outros nem tanto. No primeiro grupo está George Savalla Gomes, o Carequinha, um dos primeiros a levar a diversão circense para a TV. Ele foi uma espécie de precursor dos Trapalhões. A propósito de Carequinha, Possolo escreve: “A dignidade dos palhaços é meio avessa, de quem se sente bem sendo absolutamente ridículo”. Um dos mais conhecidos é Renato Aragão, o Didi dos Trapalhões, de quem Possolo aprendeu uma lição: “A profundidade e poesia do riso residem naquilo que é autêntico e simples”.
Entre os menos conhecidos, há o Zabobrim, interpretado por Esio Magalhães, do Barracão Teatro de Campinas. Zabobrim “atua com o corpo, livre de imposições cerebrais, sugerindo que ele veio pronto”. Veio? Não exatamente. Isso “é apenas parte da longa trajetória na qual a capacidade intuitiva de Zabobrim foi forjada”.
Zabobrim… é muita abobrinha. Aliás, uma dieta preferida também por Carequinha, Didi e os outros. O que diz Possolo sobre isso? “Não se pode confiar nos palhaços, que dizem tantas bobagens que, de tão tolas, nos jogam de frente as verdades que passavam ao largo.”
Vai Zabobrim! Vai Possolo!
Palhaço-bomba
Hugo Possolo
Editora: Parlapatões
168 páginas.