Arte em Movimento
Tendal da Lapa abraça Virada Circense
Mônica Rodrigues da Costa, especial para Panis & Circus
A 14ª Virada Cultural de São Paulo 2018 foi considerada pela mídia e organizadores tranquila, animada e com o público um pouco recuperado. O centro paulistano recebeu mais visitantes nos eventos do que os bairros, mas, mesmo com público reduzido, houve alegria, qualidade e muitos shows musicais, peças de teatro, brincadeiras, oficinas para crianças e oito espetáculos de circo no Centro Cultural do Tendal da Lapa.
A Virada do bairro aconteceu no Tendal e teve show da Palhaça Rubra, expert em alta tecnologia humana, Circo Poeira, com seu teatro de bonecos de bailarinas, cavalinhos, elefantes, dragões e outros bichos de madeira, e a apresentação de “Inversos”, espetáculo de dança-teatro com direção dos premiados atores e diretores Bruno Rudolf e Ricardo Rodrigues, da Cia. Solas de Vento, que possui um dos repertórios mais talentosos da cena atual de circo e teatro paulistana (“A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, de 2011, com direção de Carla Candiotto).
O evento teve ainda dois cabarés de números circenses aéreos e um de palhaços, o circo-teatro “Armário das Almas Cantantes” e os “Pernambolados”, homenagem aos afoxés de Recife.
As apresentações mostraram trabalhos de artistas que fazem no Tendal residência estética, como os que se apresentaram no sábado, 19/5, e no domingo, 20/5, nos cabarés aéreos e de palhaços.
Nos dias comuns, jovens profissionais competentes, como o elenco de “Armário das Almas Cantantes”, e as duas atrizes do espetáculo “Inversos”, dispõem do espaço do Tendal para ensaiar seus espetáculos.
Leia a seguir como foi a performance dos artistas dos oito espetáculos da Virada no Tendal da Lapa, em Sampa.
Palhaça Rubra canta em todas as línguas do mundo
O espetáculo apresenta Lu Lopes no papel da palhaça Rubra e dois atores, o palhaço Pelanca (Álvaro Lage), que veste uma saia rodada e de babados muito parecida com a da palhaça Rubra, e o palhaço Gastão (Danilo Dal Farra), percussionista com indumentária escalafobética. A palhaça é expert em alta tecnologia humana e defende o planeta da destruição e da poluição. O trio de Rubra no show não é de brincadeira, eles tocaram e cantaram até músicas do Sepultura.
Lu Lopes faz há mais de duas décadas sua personagem Rubra e essa palhaça que usa um chapeuzinho em cima de uma peruca e tem muito talento. Ela faz piada, canta, dança e improvisa! Fala todas as línguas do mundo e canta perfeitamente bem as letras das canções, mas ninguém entende nada e sai feliz no final, adultos e crianças.
As explicações da palhaça Rubra provocam mais confusão (e muitas risadas) do que os momentos em que ela apenas apresenta um número. Isso se deve à interatividade dela com o público, que interfere nos causos contados e se diverte durante todo o show.
“Circo Poeira” com teatro de bonecos
Ninguém dá nada por um circo que é uma poeira na itinerância circense pelas estradas do mundo. Ele é realizado pelo ator e palhaço Caio Stolai no espetáculo “Circo Poeira”, que foi formado pela Circo Escola Picadeiro e conquistou vários prêmios internacionais no países em que se apresentou neste século 21.
O espetáculo tem o mesmo nome da companhia do Caio, “Circo Poeira”, e consiste em números sem palavras de um circo de bailarinas, cavalinhos, elefantes e outros bichos de madeira, montadores de cavalos, diretor do picadeiro e artistas. São bonecos de um teatro de um só manipulador, que se movimenta em vários núcleos cênicos do palco. Esses bonecos pertencem a imaginação de Seu Maranhão, velho circense que rememora com saudade seus tempos de picadeiro.
Stolai disse que participou da companhia Pia Fraus na época em que o grupo era formado pelo ator, artista plástico e bonequeiro Beto Lima (1957-2005), o ator e palhaço Domingos Montagner (1962-2016) e o ator e diretor Beto Andreetta.
Stolai atuou e foi manipulador da Pia Fraus, como nos espetáculos “Gigantes de Ar”, e “É ou Noé”. Ele conta que foi parceiro de Domingos Montagner durante nove anos em trabalhos da Pia Fraus e da Cia. La Mínima, como na dupla de Montagner-Caio no espetáculo “Os Homens Fortes”. LaMínima completou 20 anos em 2018 e foi formada por Montagner e Fernando Sampaio.
O pequeno teatro, com bonecos criados e pintados pelo próprio artista, que afirma que foi influenciado por Beto Lima, já recebeu vinte prêmios internacionais e se apresentou em muitos países: Venezuela, Equador, EUA, Canadá; França, Alemanha, Croácia e Tunísia.
Delicadeza e tensão em “Inversos” com meninas revelação
O espetáculo “Inversos”, de números aéreos e dança no ar, que se apresentou no domingo encerrando a Virada no Tendal, tem duas atrizes impactantes e misteriosas, que se preocupam em acender e apagar luzes que rodeiam o palco. Uma é inverso da outra. Uma morena, outra loura, uma veste uma cor, a outra o seu inverso. Na peça há também movimentos espelhados e cenas em que uma atriz faz o número como se fosse em resposta à outra.
Os movimentos são leves, elas dançam no ar e nos aparelhos –tecido e cadeira para altura, entre outros –, exibem força e se arriscam nas atrações altas.
O espetáculo tem o humor parecido com o estilo de trabalho de seus diretores, Ricardo Rodrigues e Bruno Rudolf, da Cia. Solas de Vento. É agradável de ver e de descobrir as inversões ou antíteses das imagens. As atrizes não usam a palavra e a decodificação é difícil. Existe no espetáculo uma espécie de vácuo entre a forma dramática e a transmissão de sua ideia, mas até isso é instigante na peça. A melhor qualidade é a perícia das atrizes.
“Pernambolados”
O espetáculo, da Cia. de Artes do Baque Bolado, é uma homenagem aos afoxés de Recife, conforme o site do grupo, e apresenta batucada, entoa música sagrada e realiza dança sobre perna-de-pau. Uma das cantoras do grupo, Carol do Nascimento, deu um show de voz e de samba na perna-de-pau, acompanhada de outras atrizes, como Laura Arantes. O grupo toca tambor e chocalho e outros instrumentos de percussão. Todos dançam e cantam o tempo todo e não erram o equilíbrio.
Durante o show Carol conversa com o público e explica que ajuda a resolver problemas de formação escolar dos jovens da periferia. Entre um e outro afoxé, muitos em nagô, Carol falou da cultura afro-brasileira e apresentou o canto de vários orixás. As letras das músicas e as danças são relacionadas a essas divindades protetoras da natureza, e falam de Xangô, Oxum e outros.
A inclusão dos afoxés no circo, ou nos shows sob a lona, são boa combinação. O público, apesar de pouco, dançou e se contagiou.
“Cabaré de Palhaços” é comédia clássica da lona
O espetáculo “Cabaré de Palhaços”, no Centro Cultural Tendal da Lapa, foi com os atores Felipe de Oliveira, Nildo Siqueira e Valentim. Eles encenaram piadas, daquelas em que a dupla só erra o número ou a atividade que está fazendo, e provocaram muito alvoroço no palco. Também interagiram com a plateia. O clássico número da escada foi um dos pontos altos da apresentação.
“Armário das Almas Cantantes” atrai pela ironia
Um grupo de quatro atrizes apresenta números aéreos numa cadeira inventada, outros aparelhos circenses e escalando um armário misterioso e leve que fica no centro do palco, no espetáculo “Armário da Almas Cantantes”. As atrizes são flexíveis e apresentaram com delicadeza e precisão os números aéreos e com a ironia de serem elas mesmas as águas cantantes ou dançantes (almas cantantes do título) se movimentando em fluxo quase líquido dentro de um grande armário colorido de luz. As garotas exibem acrobacias no ar, dentro do armário e em cima dele. São movimentos com pernas e braços, saltos, torções, cambalhotas e exercícios de solo, que também se projetam como sombras em movimento. As atrizes são eficientes e ágeis.
Como o espetáculo não tem diálogo fica um pouco monótono, mas a proposta tem excelência e inventividade, de construir um armário colorido e luminoso, cheio e vazio de ondas humanas entre a terra e o ar.
“Cabarés Aéreos” exibem aprendizado da técnica
Esse espetáculo é um pot-pourri de vários números aéreos no tecido, em uma cadeira para altura, com faixa e corda. Esses exercícios aéreos substituíram o “Petit Volant”, que se apresentaria ao ar livre, no jardim do Tendal, mas choveu.
No sábado, 19/5, a atriz Cibele Scalezi fez evoluções aéreas no tecido e arrancou aplausos. Ela se reuniu com Priscila Cereda (cadeira), Maísa Menezes (corda) e Tom Ramos (faixa) para se apresentarem em “Cabaré Aéreos”. Esses jovens fazem residência estética no Centro de Qualificação do Circo e ensaiam com seus coletivos no Tendal.
No domingo se apresentou outro grupo, formado pelas artistas que fazem também residência estética no espaço: Estrela Rigoleto (lira); Daniel Wolf (faixa); Priscila Cereda (cadeira).
Conheça um pouco do Tendal da Lapa
Todas as atividades no Tendal da Lapa são gratuitas e o espaço cultural oferece mais de 60 oficinas e cursos para todos os públicos, como oficina de cinema, dança e música. O equipamento abriga um centro de qualificação do profissional circense e oferece em especial a esse público reciclagem profissional e local para ensaios com seus grupos. “A ideia é fazer deste espaço um centro de produção e de compartilhamento de conhecimento e experiencias”, disse Bel Toledo, coordenadora geral do Tendal.
O Centro Cultural Tendal da Lapa situa-se num pequeno conjunto de prédios com jardim cimentado, mas arborizado e com bancos para o público no jardim. O Tendal está hoje onde foi um entreposto de carnes nos anos 30 do século 20, de estética industrial, com cerca de sete mil metros quadrados.
Na frente do espaço há uma linha de trem e ele passa ritmadamente atrás do Tendal. O entreposto virou um enorme galpão onde são oferecidas as oficinas e cursos para todos os públicos e onde ocorrem os ensaios.
Bel Toledo destaca a qualidade dos professores que dão cursos e oficinas no Tendal, como é o caso da trapezista Erica Stoppel, do Circo Zanni, que realiza oficina de trapézio. “Todo mundo é profissional, são atividades de qualificação”, afirmou Bel, que aproveitou para informar que Tato Villanueva fará em breve uma atividade em breve no Tendal, que goza de prestígio entre os circenses e atende mais de 2.000 pessoas mensalmente.
Bel Toledo explica Centro Cultural Tendal da Lapa
Coordenadora do Centro de Qualificação do Circo e gestora do Centro Cultural Tendal da Lapa, faz mais de 30 anos que Bel Toledo trabalha com arte circense popular. Ela organizou a última edição do festival de circo de Piracicaba, que conquistou visibilidade e público.
Toledo conta que foi convidada pelo secretário municipal de Cultura, André Sturm, para coordenar o Centro de Qualificação do Circo em 2017 e em seguida assumiu a gestão do espaço do Tendal.
Ela disse que está contente com os projetos e que a chefia dá apoio financeiro e incentivo. Bel Toledo disse que conseguiu realizar pequenas reformas no tendal e que o espaço tem atraído bons artistas para trabalhar nas oficinas e cursos e público interessado em ocupar o espaço.
Clique aqui para conhecer mais detalhes do funcionamento do Tendal e as atividades promovidas, que mudam periodicamente.
Aberto de segunda a sexta-feira, das 9h às 21h; sábados, das 9h às 17h. Endereço: rua Guaicurus, 1.100; rua Constança, 72 (o Tendal tem duas entradas), Lapa, zona oeste, tel. 3862-1837, São Paulo, SP.
Legenda da Foto de Capa – Cabaré dos Palhaços na Virada Cultural do Tendal da Lapa / Foto Divulgação