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“Vizinhos”: imagens surreais e impactantes
Cafi Otta, especial Panis & Circus
Como é bom sentar para assistir a um espetáculo e se surpreender a cada cena apresentada! Uma grata surpresa para quem conhece de longa data os artistas que estão no palco. Daniel Pedro e Maíra Campos, que também fazem parte da família do Circo Zanni, criaram esta companhia e mostraram em seu trabalho de estreia que circo combina mesmo com outras linguagens, como a dança e o teatro.
O parlapatão Hugo Possolo costuma dizer que circo não precisa de dramaturgia. Segundo ele, espetáculos circenses são como filmes pornô, ninguém vai assistir querendo ver uma história sendo contada. Concordo e assino embaixo, mas “Vizinhos” prova que um espetáculo de circo pode ser um pouco mais do que só uma sequência de números.
O que se viu no palco do Sesc Consolação foi uma sucessão de encontros e desencontros entre um homem e uma mulher – um casal, vizinhos, amigos… pouco importa – permeados por imagens lindas e surreais, que ilustram de forma bela, cômica, patética e, às vezes, grotesca a relação entre estas duas pessoas. Não precisam de palavras para fazer isso. Usam gestos precisos e coreografados, abusam de olhares sinceros e despretensiosos, e por isso tão reais, e se apoiam sem medo no circo que dominam tão bem.
Ou seja, eles não contam uma história específica. Eles permitem que o público crie em sua imaginação uma infinidade de histórias que podem acontecer entre este homem e esta mulher, ou entre eles e seres fantásticos.
Lu Lopes dá o tom
A direção de Lu Lopes aparece em cada cantinho do cenário, em cada segundo do espetáculo, em cada gesto dos atores, e até no cabelo de Maíra, que lembrava muito o cabelo da palhaça Rubra. Um trabalho de aguçamento da sensibilidade e da escuta entre os dois. Uma escuta muito sutil e ao mesmo tempo muito profunda.
Esta conexão tão presente gera na plateia uma sensação diferente do que se sente normalmente dentro de um circo, onde as emoções pulsam a cada truque executado. O público ali parecia flutuar, e ao final todos estavam com um sorriso leve nos lábios, uma expressão de contentamento como se pudessem começar toda aquela experiência de novo, como se quisessem sentir tudo aquilo mais uma vez, todos os dias.
O circo se faz presente também no alto grau de confiança e entrega que o casal mostra em cena, exibindo um comprometimento invejável no palco. Se lançam no escuro sabendo que o outro estará lá para o que der e vier. Como o volante que se solta da barra do trapézio sabendo que o porto vai pegá-lo, nem que seja na unha. Quando o circo que conhecemos é permeado de poesia, delicadeza e intimidade o resultado é de encher os olhos e o coração.
Saí do teatro com muita curiosidade pela nova montagem da cia, dirigida mais uma vez por Lu Lopes. O novo espetáculo chama-se “Balburdia”, e será o segundo de uma trilogia que começou muito potente. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.
Cartaz de “Vizinhos” no Sesc Consolação