Arte em Movimento
Você precisa conhecer o Padoca!
Artes do comediante que casou com a trapezista do circo
Você conhece o trabalho de Fernando Sampaio como o palhaço Padoca no Circo Zanni até 04/11. Dono de uma expertise incomum no campo da arte cômica, Sampaio agrada a crianças e adultos na arte de fazer rir, para a qual se prepara desde os meados da década de 1980.
Não é à toa que o trabalho de Sampaio é acima da média. O ator teve como professor o palhaço Picolino II, que pertenceu ao Circo Nerino e que hoje está com 90 anos, lúcido e forte, fazendo todo mundo rir durante conferências em que se apresenta. Fernando foi aluno dele no Circo Escola Picadeiro, que ficava colado à ponte da Cidade Jardim e era dirigido por Zé Wilson. Na escola de circo, formou-se a geração que lidera hoje a arte do circo e da comédia de picadeiro no Brasil – Hugo Possolo e Domingos Montagner, entre outros.
Nesta entrevista, o cômico e palhaço Fernando Sampaio fala de sua vida e formação, dos espetáculos que realizou e da carreira de ator e sócio do Circo Zanni, considerado o picadeiro mais importante do país. Por um lado, o Zanni resgata a tradição circense e, por outro, renova a estética dos números clássicos, seja pela dramaturgia na costura das atrações, pelo ritmo musical, pela permanente pesquisa histórica ou simplesmente pelas qualidades de seus artistas, que a todos encantam.
Retrato de família: de administrador para o circo
Paulistano, Fernando Sampaio é o caçula de uma família de cinco irmãos e não cresceu com muito contato com a produção de arte. O mais velho desse pequeno time de futebol quebrou a barreira com os pais para a aceitação da profissão de artista porque tocava bateria e, quando Fernando escolheu a atividade de palhaço, o caminho estava aberto.
Hoje o ator e palhaço é casado com a trapezista e equilibrista Erica Stoppel e os dois têm o filho Tomás, de nove anos, que já é palhaço, mas só trabalha no picadeiro quando sente vontade.
Fernando conta que praticou muitos esportes na infância e frequentou a escola estadual, mesmo que não gostasse de estudar, “apenas o extremamente necessário para passar de ano”. Seu negócio era jogar bola.
O ator que faz o papel do palhaço Padoca no Circo Zanni conta uma passagem engraçada, de quando tinha 18 anos e fez teste vocacional. Após a entrevista com a psicóloga, que ele diz que considerou “pouco sensível”, a especialista falou que poucas vezes tinha notado numa só pessoa um desinteresse tão grande em todas as áreas, seja biológicas ou exatas.
Apesar do desestímulo, Fernando Sampaio prestou vestibular no mesmo ano, sem saber ao certo a carreira que gostaria de seguir. Inscreveu-se em educação física, odontologia, direito, administração, medicina veterinária e biologia. Passou em administração e fez o curso. Estudou de 1981 a 1985 e trabalhava como estagiário.
Correria entre o Circo Escola Picadeiro e o escritório do pai
Como o destino prega peças na vida da gente, Fernando viu um espetáculo do grupo Ornitorrinco em 1987 e se apaixonou. Matriculou-se num curso de teatro. “A peça tinha uma linguagem de circo muito forte, chamava-se ‘Ubu – Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes’ e tinha direção do Cacá Rosset. Fez muito sucesso em São Paulo”, afirma o ator. A montagem que mudou a vida de Fenando Sampaio estreou em 1985 e é uma adaptação da obra de Alfred Jarry. Teve um público de pelo menos 350 mil pessoas.
Daí para a vida profissional só faltavam os convites para Fernando Sampaio. O Sesc Pompeia tinha aberto uma oficina de palhaço em um fim de semana e o acaso o empurrou nessa direção. “Fui meio ao acaso e, quando a oficina acabou, comentei com a professora, a Val de Carvalho, que eu tinha adorado. Ela sugeriu que eu fosse fazer a escola Picadeiro para ter aulas com o Roger Avanzi, o palhaço Picolino II.”
Desde o final dos anos 80 até hoje, Fernando Sampaio e Roger Avanzi são amigos. “Seu Roger foi um grande mestre. No dia seguinte ao do fim da oficina, fui à escola e comecei a ter aulas com ele. Nessa época eu trabalhava como corretor de imóveis, a profissão de meu pai, mas comecei a gostar mesmo de teatro. Para que pudesse frequentar a escola de circo eu tinha que ser autônomo, não dava para ter um emprego em tempo integral.”
Nesse momento da trajetória, Fernando contou que seria a melhor solução. “Eu disse a meu pai que queria trabalhar com ele e fugia no meio da tarde para a escola Picadeiro para aprender com seu Roger. Depois corria para o escritório, todo suado.”
Formação circense e criação do grupo Nau de Ícaros
Fernando Sampaio, palhaço das mil e uma facetas, conta que experimentou tudo que é técnica circense e a acrobacia era a que mais lhe agradava. “Eu não me interessava por manipulação de objetos porque tinha pouca habilidade e era mais ou menos no equilíbrio.”
Até que, dentro da escola de circo, os estudantes se reuniram e formaram o grupo Nau de Ícaros, que ainda existe atualmente. A trupe incluía sete mulheres e três homens: “As mulheres eram todas lindas e, entre os homens, dois eram mais fortes, mais hábeis do que eu nas acrobacias. A função de fazer humor no espetáculo começou a sobrar”, diz Fernando.
Vira, virou!
Fernando Sampaio já estava próximo do Picolino II, então, transformar-se no palhaço Padoca foi uma questão de gargalhada: “Seu Roger me ensinava uma esquete, eu colocava no espetáculo e, aí, virou. Mesmo passando por várias técnicas, o que me interessava era fazer humor e foi assim que virei palhaço”.
La Mínima: dupla de humor que deu certo
Fernando logo se uniu com quem faz dupla cômica até hoje na companhia La Mínima: o ator e palhaço Domingos Montagner. “Nós gostávamos muito de desenvolver técnicas de acrobacias de dupla e de trapézio. O que fazíamos era transformar as técnicas, e, baseados nelas, criávamos os números de palhaço que nos interessavam. Queríamos que tivessem humor.”
O jovem circense se despediu da Nau de Ícaros em 1996, quando o trabalho com a La Mínima se intensificou. Domingos pertencia à Pia Fraus e ficou nela por mais tempo, convidando Fernando para atuar em vários espetáculos da companhia até pelo menos a virada do milênio.
Depois desse período a dupla Fernando e Domingos deu prioridade ao grupo La Mínima e o show nunca mais parou. Eles atuaram mais em salas de teatro do que nos círculos do picadeiro. Em 2001, montaram “À La Carte”, o primeiro espetáculo de sala.
Em 2002 foi a vez de “Luna Parke”. Dois anos depois, “A Verdadeira História dos Super-Heróis” (de Mario Bortolotto e direção de Jairo Mattos). Em 2005, criaram, com o cartunista Laerte, “Piratas do Tietê”.
A cada ano, um espetáculo diferente. “Em 2006 montamos a ‘Feia’, depois voltamos a criar com o Laerte, em 2008, o que resultou em ‘A Noite dos Palhaços Mudos’”. A adaptação da HQ do cartunista conquistou o Prêmio Shell de 2009 de melhores atores para Fernando Sampaio e Domingos Montagner, entre vários outros troféus. A montagem faz sucesso sempre quando volta a cartaz, em várias regiões do Brasil.
Com esse ritmo, foi natural o convite do Sesi para a La Mínima apresentar no espaço o trabalho da companhia. Fernando conta que “O Médico e os Monstros” (2008) foi a terceira produção da dupla para o teatro da Avenida Paulista. A peça adapta para a linguagem circense a obra “O Médico e o Monstro”, do escocês Robert Louis Stevenson (1886). Em entrevista ao site Panis & Circus, Domingos Montagner disse que a peça mostra “o duelo de ideias e ideais entre o médico e a criatura grotesca que ele criou da perspectiva da comédia de palhaços, misturando técnicas de circo, desenho animado e cinema mudo”.
A dupla Fernando e Domingos sempre atraiu bons parceiros. O ator e diretor Fernando Neves, do grupo Os Fofos e nascido em família circense tradicional, foi um deles. Neves assinou com Montagner a direção de “O Médico e os Monstros” e trabalhou em a “Feia”.
La Mínima se apresenta em várias cidades brasileiras
Fernando relata com detalhes de cronologia: “Em 2009 e 2010 nós viajamos com ‘A Noite dos Palhaços Mudos’ pelo Brasil inteiro”. Com adaptação da Cia. La Mínima e de Álvaro Assad. Domingos disse que a montagem acrescenta um aspecto lírico ao trabalho da cia. La Mínima, que se mistura às gags clássicas, sem ser faladas.
Trabalho solo em “Athletis”
Em 2011, Fernando Sampaio montou “Athletis” sozinho porque Domingos foi trabalhar na novela “Cordel Encantado” (Rede Globo). Há quem diga que Fernando tem uma pegada do histórico ator Oscarito. Outros comparam seu trabalho com o de Grande Otelo (1915-1993) e, por que não, Charles Chaplin.
No solo “Athletis”, Fernando aparece no palco e em telões instalados em cena. Faz mímicas, manipula bonecos e entra e sai do vídeo para contar a histórias das Olimpíadas. Interpreta diversos personagens com incrível repertório gestual, como halterofilista, jogador de futebol e levantador de pesos. O argumento da peça é de Fernando Domingos e o roteiro é assinado por Paulo Rogério Lopes, Fernando e Domingos, com dramaturgia e direção de Lopes.
“Mistero Buffo”
Em junho de 2012, a dupla convidou o palhaço, ator e musicista Fernando Paz, chamou Neyde Veneziano para dirigir e apresentou “Mistero Buffo”, texto satírico do italiano Dario Fo, no Teatro Popular do Sesi, na cidade de São Paulo.
A peça traduz com leveza o texto ácido do dramaturgo Dario Fo, de 1969, e brinca com os mistérios cristãos medievais, no estilo das comédias do circo teatro, gênero praticado no Brasil até a década de 1960. O livreto do espetáculo informa que se trata de moralidades como “O Cego e o Estropiado”, do século 14, registrada pelo jogral Jean Lavy.
Links para saber mais sobre o ator
“A Volta ao Circo em Dó Maior e em Dó Menor”
“Erica Stoppel: A Trapezista do Zanni”
Onde ver Fernando Sampaio
Fernando Sampaio está no espetáculo do Circo Zanni na Semana Ticket de Cultura.
Memorial da América Latina – Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664, Barra Funda. Dia 09/11, às 10h00 e às 15h00; 10/11, às 17h00 e às 20h30; 11/11, às 19h30; 14/11, às 15h00 e às 19h30; 15/11, às 17h00; 17/11, às 17h00 e às 20h30; 18/11, às 17h00 e às 19h30.
Link para o evento: www.semanaticketcultura.com.br
(Raquel Benozzatti. Colaborou Mônica Rodrigues da Costa)