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Palhaços, entre o sublime e o grotesco
“Circo brasileiro tem a pluralidade artística dos saltimbancos”
Oscar Pilagallo
O palhaço, no Brasil, está definitivamente associado ao personagem de nariz redondo e vermelho. Era assim que se caracterizavam os palhaços de nossa infância. É assim que se apresentam os manifestantes em protestos de rua, quando querem denunciar que estão sendo feitos de palhaços pelas autoridades.
“Palhaços”, de Mário Fernando Bolognesi (Unesp, 296 págs.), mostra que o picadeiro tem espaço para outros tipos igualmente memoráveis de palhaços. O de nariz avermelhado é apenas um deles – trata-se do palhaço Augusto.
Quem nunca ouviu falar dele não deve se sentir ignorante em matéria de cultura circense. Augusto não é nome próprio, é adjetivo. O termo surgiu na Alemanha, na segunda metade do século XIX, quando, depois de uma apresentação desastrosa, o público passou a gritar “august!”, que em dialeto berlinense significa ridículo.
Ainda hoje, essa origem pode ser identificada no perfil desse tipo de palhaço. “Sua característica básica é a estupidez e [ele] se apresenta frequentemente de modo desajeitado, rude e indelicado”, escreve Bolognesi.
Se o Augusto é no Brasil o mais popular, ele não é o único. Há o palhaço acrobata, o musical, o mímico, cujos nomes são autodescritivos, e o de camarim, aquele que está sempre pronto para entrar em cena em caso de falha ou quando é preciso ganhar mais tempo entre um número e outro.
Alguns palhaços nunca chegaram ao Brasil. É o caso do Branco, que na tradição europeia costumava servir de “escada” para o Augusto. Com sua cara mais séria, enfarinhada – daí o nome -, ele era o antipático que no final da história levava a pior. No Brasil, as funções desse palhaço acabaram sendo assimiladas pelo apresentador, diz Bolognesi.
Kuxixo, Bochechinha, Jurubeba, Chupetinha, Chevrolé, Bebé, Piriquito, Ébrio, Biribinha, Nenê – é longa e divertida a lista de personagens que o autor foi buscar em grandes circos e sob as lonas de companhias mambembes. Professor de histórias da arte e filosofia, Bolognesi também é ex-trapezista, condição que lhe permite voos antropológicos mais seguros para falar de Cacareco, Pebolim, Futrica e companhia.
Ao longo da história, o palhaço foi conquistando seu espaço dentro do circo. “Nascida com o propósito de satirizar os números ‘sérios’ do picadeiro, a comicidade vai aos poucos tomando lugar de destaque no espetáculo”, escreve Bolognesi. Nas palavras de Regina Horta Duarte, que assina a apresentação, “o palhaço aparece como a figura catalisadora da condição fluida do universo circense entre o sublime e o grotesco”.
O circo não existe no vácuo. Ele está integrado na sociedade e reflete sua realidade. Na Rússia revolucionária do início do século XX, por exemplo, os palhaços abandonaram características ocidentais e “a arte clownesca associou-se à luta política, surgindo a figura do clown-tribuno”.
O autor mostra que, desde os primórdios dessa arte, os caminhos do circo e da história se cruzam. Na primeira metade do século XIX, com o fim das guerras napoleônicas, muitos soldados e cavalos se tornaram inúteis, o que impulsionou a formação de trupes equestres errantes, acentuando a tendência aristocrática do circo da época. “A apresentação equestre que deu origem ao circo que se conhece nada tinha de popular. A aristocracia encontrou, com o circo, um modo de tornar espetacular o seu mais caro símbolo social, o cavalo.”
No Brasil, a história foi diferente. “O circo brasileiro não se instalou em uma sociedade com valores aristocráticos consolidados”, escreve Bolognesi. “Isso significa dizer que um dos seus maiores símbolos, o cavalo, não teve, em terras brasileiras, o sentido maior que ocupou no circo da Europa. Aqui, ao contrário, prevaleceu a pluralidade artística dos saltimbancos.”
Com isso, o palhaço no Brasil desempenhou papéis que o espetáculo clássico na Europa desconhecia. “O palhaço teve e tem um lugar significativo na prática teatral”, diz o autor. Aqui, o palhaço contribuiu, com sua capacidade de improvisação, para a formação de um repertório de comédias.
A liberdade do palhaço era, no imaginário popular, a liberdade expressa no nomadismo típico da atividade, que fascina os que se acham aprisionados pelo cotidiano. E, no entanto, a liberdade de movimentação dos saltimbancos e palhaços era e é um recurso de sobrevivência, pois o circo precisa buscar seu público. Como diz João Guimarães Rosa, citado por Bolognesi: “O sapo pula por precisão, e não por boniteza”.
Mas que é bonito, é.
Tags: Destaques, Mário Fernando Bolognesi, OscarPilagallo, Palhaços
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