Arte em Movimento
Carroça traz espetáculo: “Pano de Roda”
Espetáculo mostra a passagem do circo por uma cidadezinha
Bell Bacampos
Os picadeiros sem cobertura, os famosos panos de roda ou “tomara que não chova”, perambulam de cidade em cidade e, na falta de uma lona, delimitam seu espaço de apresentação com um cercado de chita ou outro tecido barato. Podem faltar acrobatas, equilibristas, bailarinas e malabaristas nesses pequenos circos, mas nunca palhaços.
“Pano de Roda” é o nome do novo espetáculo da Companhia Carroça de Mamulengos, uma das principais companhias de arte popular do Brasil, que recria antigos números de conhecidos e anônimos palhaços e homenageia também os artistas itinerantes.
O enredo aborda a passagem de um circo – sem cobertura de lona e com seu pano de roda – por uma cidadezinha no interior do país. O picadeiro transforma um pouco a vida por onde passa. Na melhor tradição da Cia. Carroça de Mamulengos.
A dona do circo enfrenta dificuldades para legalizar sua permanência na cidade para ensaiar e criar novos números para atrair o público. Nesse meio tempo, uma dupla de atrapalhados vagabundos quer se dar bem e tenta conseguir um lugar na companhia.
O espetáculo acontece ao som de uma sanfona tocada por Maria Gomide, que está grávida do primeiro filho, e do violão de Beto Lemos.
“Chegou o circo na cidade!”, diz o jovem Birico para o jovem Latinha, ambos vestidos com trajes semelhantes: calças de cor creme, suspensórios e camisa xadrez. Um deles carrega uma mala de couro.
Latinha vira para Birico e fala: “A arte é alimento”. Ou é Birico que fala para Latinha? Difícil saber. Os dois jovens são idênticos – interpretados pelos gêmeos (univitelinos) Matheus e Pedro Gomide.
Birico contesta: “Nunca vi arte encher o bucho”. Os dois relembram as pessoas da cidade às quais já pediram comida e a quem não poderiam recorrer mais uma vez. Já pediram a todas. “Por isso é que eu não gosto de cidade pequena”, diz Latinha. “Acabam-se logo as opções”.
A solução arquitetada por eles para matar a fome então é pedir emprego no circo. E lá vão os dois. A dona do circo pergunta o que eles sabem fazer. Eles dizem que têm um número com animal domado.
A proprietária fica interessada. Eles garantem que o animal domado é genuinamente brasileiro – nada desses bichos importados. Um dos gêmeos se faz passar pelo bicho brasileiro e entra em cena vestido de… tamanduá.
Surpreendente e engraçado
No meio da história, aparecem bonecos de madeira que representam as figuras de um prefeito ‘coronel’, a autoridade da cidade, e de policiais que obedecem ao seu comando e que querem impedir o circo de se instalar na cidade. E a filha do prefeito, uma boneca de vestido azul, quer ser artista circense.
Os mamulengos – bonecos que têm cabeça e mãos de madeira (da árvore mulungu ou da imburana) e o corpo de pano, vazio, como uma luva – pertencem à tradição mais antiga do teatro de bonecos. Sua manipulação em “Pano de Roda” é feita acima de uma cortina e os manipuladores dão voz aos bonecos.
A filha do coronel de vestido azul, só que de carne e osso, aparece em cena. Ela está com uma mala pronta para se mudar para o circo. Seu pai, que continua a ser o boneco de madeira, não gosta nada da ideia.
Ao bater à porta do circo em busca de seu sonho, encontra a auxiliar circense, uma típica “faz-tudo”. A aspirante a atriz pergunta: “O que é preciso fazer para chegar a ser artista?”. A resposta vem pronta: “Lavar a roupa, varrer o chão e limpar os objetos”. É a chance de a auxiliar descansar das tarefas domésticas.
O confronto entre o cotidiano do picadeiro e o sonho do palco é flagrante. As duas artistas circenses que interpretam a auxiliar (Isabel Gomide) e a candidata à atriz de circo (Luzia Gomide) também são gêmeas e irmãs dos gêmeos palhaços.
Em uma das cenas, a bailarina Esmeralda, interpretada por Elen Carvalho, engole facas. Depois, ela traz uma caixa grande para o centro do palco e dentro dela sai um brincante que tem um turbante na cabeça. Ele é empurrado para dentro da caixa e fica com os ombros e a cabeça de fora, que são cobertos por um pano lilás. Sai da caixa como se estivesse ‘encantado’ pelo som de uma flauta oriental.
Esmeralda enfia as facas na cabeça dele enquanto se escutam os gritos de Isabel: “Ai, ai”. Daí o brincante se levanta na caixa e Isabel verifica que está são e salvo. Ele tem novamente a cabeça coberta pelo pano e Esmeralda enfia as facas sem dó. Na terceira vez, a retirada do pano mostra o motivo de a faca não entrar em sua cabeça: um repolho. O truque do mágico exposto ao público. A construção irônica da cena – do figurino ao repolho – ganha aplausos. E, é claro, risadas.
Em outro momento, aparece um dos artistas circenses enrolado em um tecido. Ele brinca com a plateia explorando as palavras calção e cueca. Por baixo dos panos, aparece com corpete e um “calçonete” feminino. Dança uma paródia do cancã.
Depois de insistir muito, a filha do prefeito obedece ao pai e abandona o circo e o sonho. Antes, ajuda a colocar asas em um estranho boneco de madeira: “Se eu não posso sonhar, vou dar asas a ele para que alcance voo”.
E o tamanduá sustenta em seu bico o globo terreste, no meio do palco, como se fosse Atlas.
“Pano de Roda” é encantamento e diversão de qualidade. A Cia. Carroça, que neste ano completa 35 anos de estrada, esteve com “Pano de Roda” em Caxambu durante o Festival Internacional de Circo que ocorreu de 22 a 28 de julho deste ano.
Vida longa ao circo!
Descrição poética do Festival de Caxambu
por Schirley França
“Nesses dias fora do tempo, chegou o novo circo.
Para todas as pessoas sem discriminação.
Na ação real da emoção que realiza e cria a mais pura alegria de ver a família reunida para brincar, se encantar, sonhar mais um sonho possível.
Vou dizer da alegria da Carroça dos meninos Mamulengos com pernas de pau nas avenidas de Minas.
– Hoje tem espetáculo? Tem sim sinhô
– Me desculpa, senhora, mas vou dizer da alegria de ver o homem velho do tempo, o palhaço Tortell Poltrona, trazendo memórias modestas de “Tempos Modernos”, nos dizendo acorda que a vida é bela!
Na batida do coração pulsando emoção, nos olhinhos das crianças, o balão vestido de sol sobe, a pipa voa, o rói-rói zune, o cachorro late e as águas minerais de Caxambu, alcalinas, carbogasosas, fluoretadas, radioativas, magnesianas… não param de jorrar saúde, riqueza divina.
Me desculpa, senhora, mas vou dizer da minha alegria de ver as trupes Amarillo e Zanni, equilibristas, malabaristas, brincantes, artistas de rua e picadeiro das “veias abertas da América Latina”.
O circo chegou!! Azul, amarelo, vermelho, lilás, compondo com a geada fria, mesa farta e céu resplandecente em azul alto-astral, uma Palhaçadamuzikada, Biribinha com Pipoca, sintonia engraçada.
E, no Galpão de nossas incertezas, fantasmas e medos, surgem Montanhas Gigantes de poesia, magia em torno da vida e da arte.
O clássico ou o popular? Tradição ou folclore?
Me desculpa, senhora, mas só com as licenças poéticas podemos continuar a sonhar mais um sonho possível.
De ver todos esses equilibristas do mundo vivendo e não tendo a vergonha de fazerem pessoas felizes, nos presenteando com alegria!
E, em Caxambu, na Esquina e em cada praça, nos contornos de Minas Gerais, em todas as cidades do Brasil e do mundo, vida longa para o circo!!
Schirley França. Caxambu/MG, 28 e 29 de julho de 2013.
A Família Carroça
A Companhia Carroça de Mamulengos é uma trupe formada por uma família de brincantes, atores, músicos, bonequeiros, contadores de histórias e palhaços que há 35 anos viaja pelo Brasil apresentando sua arte.
Tem como integrantes os irmãos Maria, Antônio, Francisco, João, os gêmeos Pedro e Matheus, as gêmeas Luzia e Isabel e seus pais, Carlos Gomide e Schirley França.
Para essa família, o picadeiro é sagrado – a extensão do próprio lar. Hoje, a Companhia Carroça de Mamulengos apresenta suas brincadeiras por praças, feiras, ruas, teatros e festivais. Conhecido como Babau, Carlos Gomide, criou a companhia Carroça de Mamulengos, em 1977, na cidade de Brasília. É bonequeiro, poeta, cantor, compositor e artesão. É o mentor da estética nas criações da companhia.
Quem é quem no “Pano de Roda”*
Schirley França interpreta a dona do circo. Ela nasceu em Brasília (DF) e começou a trabalhar com teatro em 1979. Conheceu a Carroça de Mamulengos em 1982 na passagem da companhia pela Capital Federal. É brincante, bonequeira, artesã e contadora de histórias.
Maria Gomide toca acordeon no espetáculo. É a primogênita da família. Nasceu no último dia de um festival de teatro na cidade de Natal (RN), no ano de 1984 ou 1985 (não se sabe ao certo). Cresceu viajando com os pais (Carlos Gomide e Schirley França) e, na escola da vida, aprendeu a tocar, cantar, fazer contorção e a ser uma atriz brincante.
Francisco Gomide manipula o boneco que ganha asas. Ele nasceu na cidade de Juazeiro do Norte (CE), terra do Padre Cícero. É pesquisador, artesão, bonequeiro, cenógrafo. Integra o núcleo de criação e direção da companhia. É pai da menina Iara, a mais nova integrante da Cia.
João Gomide interpreta o palhaço que recebe as facas na cabeça e o autor dos passos desengonçados do cancã. Ele nasceu em Brasília (DF) e é artesão, palhaço, brincante, percussionista e responsável pela manutenção do patrimônio cênico da companhia.
Matheus Gomide e Pedro Gomide interpretam os desocupados que querem se dar bem. Gêmeos univitelinos, nasceram em Fortaleza (CE), foram registrados no Rio de Janeiro, têm os registros de identidade no Rio Grande do Sul e o passaporte de Juazeiro do Norte. Em cena eles formam a dupla de palhaços Birico (Matheus) e Latinha (Pedro).
Isabel e Luzia – interpretam a aspirante a atriz e a “faz tudo”. Quando Isabel resolveu chegar, veio acompanhada de Luzia, sua irmã gêmea bivitelina. Únicas que chegaram de parto cesariana, nasceram em Brasília, em 1998, e são as caçulas da família. São palhaças, brincantes, estudam música e integram o núcleo de organização geral da companhia.
No domingo 28/7, as duas comemoram os aniversários de 15 anos após a apresentação de “Pano de Roda”.
Iara Gomide – Filha de Francisco Gomide e Elen Carvalho, nasceu em 2012 com uma parteira, em casa, no Rio de Janeiro. Aparece em cena no “Pano de Roda”.
Elen Carvalho – interpreta a bailarina Esmeralda. É esposa de Francisco e mãe de Iara Gomide. Dançarina, integra a Cia. Carroça de Mamulengos desde 2010. Em 2012, participou do processo de construção do espetáculo “Pano de Roda”. Estreou como atriz no papel de Esmeralda.
Beto Lemos – toca violão em “Pano de Roda”. É multi-instrumentista, compositor e arranjador. Natural da cidade do Crato (CE), integra a Cia. Carroça de Mamulengos desde 2005 e é responsável pela direção musical dos espetáculos da companhia.
*Informações retiradas do site da Cia. Carroça de Mamulengos
Postagem: Alyne Albuquerque
Tags: Amarillo, Caxambu, Cia carroça de Mamulengos, festival mundial de Circo, Minas Geral, Na Estrada, Pano de Roda, Tortell Poltrona, Zanni
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