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Academia de Palhaços encena piadas de circo
Espertos, bêbados, bobos e roqueiros
O espetáculo “Academia de Palhaços se Apresenta” é uma espécie de gramática, ou poética, da arte da piada de palhaço e mostra a tipologia desses cômicos nas cenas concretas, em que um é o mais bobinho e outro é o palhaço que se dá bem. A direção é de Fernando Neves.
As gagues de “Academia de Palhaços se Apresenta” exploram humor tradicional circense, interpretado com o repertório contemporâneo, em ritmo de rock.
Está o tempo inteiro em ação uma banda com bateria, baixo e guitarra, que também toca twist (“Twist ‘n Shout”, The Beatles), MPB, marcha de circo e outros ritmos, como na carnavalesca “Olha a Cabeleira do Zezé”. O grupo usa a formação básica do rock para remixar a sonoridade do circo. A música costura a narrativa.
O espetáculo mistura o gênero musical a um conjunto de esquetes em sequência. A canção de abertura saúda o público prometendo “palhaços” e “festa o dia inteiro”.
O cenário é a releitura do circo itinerante que se via nas décadas de 1960 e 1970 nos bairros de periferia ou cidades interioranas. Uma lona azul celeste, em vez de cobrir o teto do teatro, está no chão com uma estrela no meio diante da cortina de veludo vermelho-vinho clássica do picadeiro.
O figurino comenta a indumentária circense. O elenco usa vários tipos de sapato, grandes e ajustados nos pés, baixos, botinhas e de salto, que lembram cada um ao seu modo o caminhar do palhaço pelo palco. Os atores usam perucas, estão mascarados com maquiagem tradicional e também expressam somente traços da pintura tradicional do palhaço.
Logo, vê-se que se trata de um circo pensado, não são somente piadas clássicas que aguardam o espectador, embora tenha números como a ameaça de o público ser molhado com a água de três baldes e de choros de esguicho.
As duas palhaças, Maritaca e Maria Eugênia, têm tanta força quantos os três outros palhaços. Maritaca é uma palhaça versátil e faz o tipo que se deixar enganar, como Chucrute, presente na maioria das cenas.
Ele e o palhaço Capuleto fazem o número tradicional do espelho quebrado. Chucrute imita os movimentos de Capuleto, que assume sua aparência como a real.
Os cinco atores apresentam números cômicos, encenam pequenos enredos ou são mais líricos. Chucrute quer declamar o soneto “Velha Anedota”, de Artur Azevedo, mas é a toda hora interrompido. No fim consegue realizar a ação que fica sempre suspensa:
“Velha Anedota
Tertuliano, frívolo peralta,
Que foi um paspalhão desde fedelho,
Tipo incapaz de ouvir um bom conselho,
Tipo que, morto, não faria falta;
Lá um dia deixou de andar à malta,
E, indo à casa do pai, honrado velho,
A sós na sala, diante de um espelho,
À própria imagem disse em voz bem alta:
– Tertuliano, és um rapaz formoso!
És simpático, és rico, és talentoso!
Que mais no mundo se te faz preciso? –
Penetrando na sala, o pai sisudo,
Que por trás da cortina ouvira tudo,
Severamente respondeu: – Juízo.”
Fonte do soneto aqui.
Agradável
As cenas do espetáculo são agradáveis e o espectador se diverte do início ao fim. A montagem, às vezes, tem humor mais adulto, outras, mais circense tradicional, como a encenação da abelhinha que sai até a plateia e sorve o néctar das flores, com momentos hilários.
O palhaço Lino, de Bruno Spitaletti, faz uma horrenda sonâmbula cleptomaníaca, com força dramática e talento. Alguém diz: “Sabe a diferença entre a mulher de Capuleto e Hulk? É que Hulk volta ao normal…”.
O espetáculo fica em cartaz até o final de março no Teatro da Funarte, no centro paulistano, e integra o Projeto Ocupação Coletivos Unicamp, que fica por seis meses na Funarte (Fundação Nacional das Artes), assim como os de outras companhias, Zero Zero e a Honesta Cia. de Teatro, entre outras.
Ficha técnica
Elenco: Breno Tavares (Capuleto), Rodrigo Oliveiras (Chucrute), Bruno Spitaletti (Lino), Paula Hemsi (Maria Eugênia) e Laíza Dantas (Maritaca). Direção: Fernando Neves, do Grupo Os Fofos Encenam. Músicos: Andrés Navarro (guitarra e voz), Guilherme Splinter (baixo e voz) e Daniel Nopper (bateria). Cenário: Breno Tavares. Cenotécnica: Os Demolidor e As Pantera. Figurinos: Bruno Spitaletti e Carolina Hovaguimian. Iluminação: Paula Hemsi. Direção musical: Bruno Spitaletti e Fernando Neves. Concepção e realização: Academia de Palhaços.
Serviço
Em cartaz aos sábados e domingos, às 16h00, na Sala Carlos Miranda, do Complexo Cultural Funarte São Paulo. Endereço: Alameda Nothmann, 1.058. Campos Elíseos. Tel. (11) 3662-5177. Capacidade: 70 lugares. Espetáculo Livre. Ingressos: R$ 10,00 e R$ 5,00 (estudantes com carteirinha, pessoas com mais de 60 anos e classe teatral). Duração: 80 minutos. Até 31 de março. A bilheteria abre uma hora antes da apresentação.
Histórico da cia. Academia de Palhaços
A companhia se apresentou pela primeira vez em São Paulo em 2012, em “O Mistério Bufo”, de Maiakóvski, com direção de Fernando Neves, e existe desde 2007. Além de “Academia de Palhaços se Apresenta”, espetáculo orientado pelo professor Luiz Monteiro, em repertório, o grupo tem cinco “canovaccios”, ou roteiros dramatúrgicos: “A Academia de Palhaços vai ao Casamento”, “A Academia de Palhaços Tira Férias”, “A Academia de Palhaços Vai à Marte”, “A Academia de Palhaços Vai à Praia” e “A Academia de Palhaços e os Cavaleiros da Távola Redonda”.
Os cinco integrantes da companhia, todos, palhaços, estudaram na Unicamp (Universidade de Campinas), que hoje é um dos mais destacados centros de pesquisa da arte circense em São Paulo e é conhecido como Circuito Teatral de Barão Geraldo e inclui os grupos Lume Teatro, Razões Inversas, Os Fofos Encenam e Boa Companhia.
A Academia de Palhaços ainda produziu e atuou nos seguintes espetáculos: “Vespas”, com direção de Isa Kopelman; “Balão, Balão; Beijo, Beijo”, com orientação de Verônica Fabrini; “Reciclonices”, com direção de Charles Giraldi.
Leia também reportagem sobre o grupo (aqui) e sobre a peça de Maiakóvski (aqui).
Tags: Academia de Palhaços, Fernando Neves, Ocupação Funarte, Unicamp