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Circo armado no País das Maravilhas
Direção invisível e mestria na atuação são chaves do sucesso
É uma façanha e tanto transpor o mito moderno da personagem Alice e o grupo Le Plat Jour conquistou isso de modo simples e com eficiência, especialmente por ter Helena Cerello no papel da personagem.
Na pele da protagonista, a atriz traduz para a linguagem cênica a personalidade de Alice, curiosa e inquieta, questionadora e brincalhona.
Todo mundo conhece a história da garota que atravessou o espelho e entrou no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, matemático e poeta.
Alice também bebeu o líquido de um vidrinho que achou enquanto despencava no abismo após adormecer e comeu um bolinho mágico na terra dos sonhos malucos, perdão, poéticos, narrados pelo romancista e também fotógrafo britânico.
As aventuras “Alice no País das Maravilhas” (1865) e “Através do Espelho” (1872) são transcriadas desde então em todo tipo de mídia: livros, histórias em quadrinhos, animações e filmes como o do Tim Burton (2010), com efeitos especiais que mostram a menina, por exemplo, com o pescoço tão comprido a ponto de uma pomba a confundir com uma cobra tentando lhe roubar os ovos que chocava no alto da árvore.
Alice muda tanto de tamanho que chega uma hora em que esquece o próprio nome e acha que nunca mais sairá do universo surreal onde caiu.
Nunca mais voltará para casa. Ainda mais com a ameaça do Rei de Copas: “E se você não passar de um sonho meu que terminará depois que eu despertar?”.
Essas narrativas fascinantes são alguns dos primeiros contos de fada que inauguraram a época moderna.
Helena Cerello não conseguiu a façanha sozinha. No papel do coelho falante, Adriana Telg se vale do artifício das acrobacias circenses para construir a angústia desse personagem-chave do repertório carrolliano.
Fala enquanto vira cambalhota e estrelas. Suas caminhadas de ponta-cabeça atravessam os diálogos e traduzem o vaivém do apressado personagem, contribuindo para revelar as equivalências entre o texto poético e sua adaptação para o palco.
Sem atrizes também como Paula Flaiban – somente as três encenam o drama da cia. Le Plat du Jour – dificilmente o estilo de Carroll se traduziria tão bem no palco.
Paula apresenta com a fidedignidade do teatro os gestos abruptos das rainhas e duquesas doidas, que transformam bebês em porquinhos e ameaçam cortar a cabeça de todo mundo.
A montagem subverte o sentido do cotidiano urbano de duas irmãs (Helena e Paula) que seguem as pistas da imaginação. Nas brincadeiras, o contêiner do prédio onde moram é a passagem para o espaço onírico. Lá elas encontram o coelho. Pronto: o circo está armado.
Ficha técnica
Adaptação livre do livro “Aventuras de Alice no País das Maravilhas”. Direção: Alexandra Golik e Carla Candiotto. Elenco: Helena Cerello, Adriana Telg e Paula Flaiban. Assistência de direção: Bebel Ribeiro. Música original: Marcelo Pellegrini. Voz do Gato que Ri: Edson Montenegro. Cenografia: Le Plat du Jour e Paula De Paoli. Assistência de cenografia: Gabriela Sartori. Cenotécnico: Wagner José de Almeida. Design gráfico: Paula De Paoli. Figurinos: Chris Aizner. Assistência de figurino: Camila Fogaça. Adereços: Ivaldo Melo. Desenho de luz: Miló Martins. Assistência de iluminação: Danilo Martins. Contrarregra: Hilton Esteves de Souza e Anderson Esteves de Souza. Consultoria circense: Adriana Telg, André Caldas, Kiko Caldas, Marcelo Castro, Erica Stoppel, Ricardo Rodrigues, Rodrigo Matheus. Produção: Andréa Marques e Solange Borelli.
Serviço
Em cartaz no Teatro Folha, no shopping Pátio Higienópolis, aos sábados e domingos, às 16h00. Endereço: av. Higienópolis, 618, Consolação, tel. (011) 3823-2323. Até 30/09.
(Mônica Rodrigues da Costa)