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Circo Paratodos, da Capadócia
O primeiro circo brasileiro sem estacas
O Circo Paratodos pertence à companhia de circo teatro Capadócia e até o final de agosto estava com a lona armada no estacionamento do supermercado Walmart, no centro de São Bernardo do Campo, com o espetáculo “Palhaços – A Velha e Boa Gargalhada”. Para criar esse espetáculo, a cia. Capadócia realizou entrevistas sobre circo teatro com Benedito Sbano, o palhaço Picoly, e Sonia Gray, do Circo Disparada.
A Capadócia, dos diretores Wilson Vasconcelos e João Donda, teve coragem ao fazer o caminho inverso, sair da cidade e se tornar itinerante, armando o picadeiro de praça em praça. No Brasil o número de lonas decaiu devido aos custos altos de administrá-las.
De janeiro a março deste ano, o picadeiro do Circo Paratodos, que tem a primeira lona sem estacas no país, apresentou dois espetáculos de circo teatro no Memorial da América Latina, na capital paulista: “A Menina Virou” (com direção de Calixto de Inhamuns) e o infantil “O Segredo da Janela” (direção de Jairo Mattos).
A primeira comédia conta a história do prefeito do interior, aborda o namoro da filha dele, corrupção na cidade e muitas trapalhadas, que envolvem Deus e o demônio.
A peça “O Segredo da Janela” mostra Chiquinho, um palhaço que se apaixona pela garota Chicória. Chiquinho propõe que a namorada faça um teste e entre para o circo. Se ela conseguir abrir as janelas da cidade, integrará a companhia. Desse modo, repete-se a clássica história de amor entre o palhaço do circo e a moça interiorana.
Veja aqui trecho da entrevista com Wilson Vasconcelos, da Cia. Capadócia
Circo Paratodos nasceu em 2008
O Circo Paratodos aparece na cena paulista com o diferencial da lona, fácil de ser montada. Com um diâmetro de 12 m x 22 m e capacidade para 300 pessoas, sua estrutura metálica fica na parte externa.
Isso permite maior visibilidade do público. Segundo João Donda, trata-se do primeiro circo brasileiro “totalmente sem estacas, com uma estrutura autoportante, que a torna ecologicamente correta, já que pode ser montada nos mais variados espaços e medidas sem que seja necessário quebrar ou furar o piso”.
A cia. Capadócia, fundada em 2008 por Donda (diretor técnico) e pelo ator e palhaço Wilson Vasconcelos, explora peças de circo teatro que eram apresentadas na segunda parte dos espetáculos circenses de lona até a década de 1960 no Brasil.
O grupo tem outros espetáculos no repertório, entre eles, “Carnaval Paratodos” e “A Voz da Praça”. A Capadócia pesquisa a tradição oral e os números de palhaços.
Suas peças de circo teatro adaptam relatos orais que a companhia pesquisa com a velha geração de artistas circenses, como os palhaços Picolino, de Roger Avanzi, e Picoly, de Sbano.
Dramaturgia de “O Segredo da Janela” explora literatura de cordel
Segundo Jucca Rodrigues, que criou a dramaturgia de “O Segredo da Janela”, foi rápido o processo da escrita da peça. “Não é um texto de cordel, mas a Capadócia tinha vontade de trabalhar com cordel, então, em alguns momentos, a gente brinca com elementos da rima e os outros momentos correm mais soltos, não é um texto puro, é contaminado de várias referências.”
Palhaço Gelatina e ventríloquo
Wilson Vasconcelos faz o palhaço Gelatina em “Palhaços – A Boa e Velha Gargalhada”, o que realiza com competência, e apresenta um número de ventríloquo, bastante engraçado.
Panis & Circus visita o Circo Patodos
A equipe do Panis & Circus visitou a lona da companhia em 29/07 para ver o espetáculo em cartaz, divulgar o site e entrevistar o público e os artistas. Antes, na temporada do início deste ano, esteve no picadeiro, entrevistou os diretores e assistiu às peças da temporada.
Opinião de fã
Depois da apresentação de “Palhaços – A Boa e Velha Gargalhada”, Telma Santana, moradora de São Bernardo do Campo, disse que se emocionou e que não conhecia o Circo Paratodos. Chegou ao picadeiro porque leu um anúncio da cia. Capadócia no jornal do sindicato de metalúrgicos do ABC.
“Gostei, porque voltei à minha infância. Sempre vou a circo, mas eu nunca me senti tão bem como me senti hoje, vendo o espetáculo, ouvindo e recordando”, contou Telma.
Paratodos e Sintonia do Riso, da Cajuve de São Bernardo do Campo
A palhaça Pendonga (Vanessa Queiroz) estava na bilheteria e no final do espetáculo distribuiu minijarros de flores – símbolo do palhaço – para os presentes.
Ela contou que seu nome mistura as palavras “pêndulo” e “camundonga”, que salientam duas de suas características: não parar quieta e ter os dentes da frente ligeiramente maiores. “Meus dentes são de camundonga… rsrsrsrs e ‘pêndulo’ porque, mesmo paradinha, sempre estou pendendo pro lado e aí ficou ‘Pendonga’”.
O outro bilheteiro, Flávio Costa, palhaço que é dupla de Pendonga na escola de circo em São Bernardo, disse que eles ajudam o Circo Paratodos nos bastidores. “Está sendo maravilhoso”, declarou.
Os dois montaram a cia. Sintonia do Riso em São Bernardo. “É um grupo de alunos formados pela Coordenadoria de Ações pela Juventude, a Cajuve, entidade ligada ao governo num programa sociocultural, municipal. Há várias atividades. Dentro das atividades, cursos como o de clown e outros cursos que a gente teve. Ele é o nosso exemplo [apontou para um palhaço mudo, de nariz negro]. É o Trapinho [aprendeu a ser palhaço nesse curso; foto abaixo], explicou Vanessa Queiroz.
Vanessa e Flávio estavam acompanhados do palhaço, que usa a linguagem que os dois explicaram que é tramp (vagabundo, em inglês). Seu estilo, segundo Vanessa, ficou mais conhecido nos Estados Unidos nos anos 20 e 30. “Ele pegou, por exemplo, o Chaplin, palhaço dessa época, escolheu o caminho do tramp e criou o palhaço vagabundo e que não fala.”
Como é o palhaço tramp
Rodrigo Robleño, articulista do site Circonteudo, explica:
“Também temos o palhaço tramp (vagabundo, em inglês) ou “hobo”. Seu estilo é muito parecido com o que apresentava Charles Chaplin, de uma graça suave e lírica, pensativo e atrapalhado, quase sempre sozinho. A maquiagem do vagabundo, geralmente, apresenta uma barba por fazer e boca e olhos contornados com branco. O figurino é de uma pessoa que vive na rua, baseada principalmente nos andarilhos do início do século XX.”
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Palhaço pede atenção para pessoas com necessidades especiais
Disse Wilson Vasconcelos sobre Trapinho: “Ele não fala porque é um tramp honesto, incorpora mesmo o personagem enquanto está de nariz. Apesar de todas as características visíveis que tem de saúde, faz isso belamente e acho que é pela causa das pessoas que têm necessidades especiais. Está sendo uma escola trabalhar com essa moçada, muito a fim de fazer. Eles chegam cedo, entregam filipetas, abrem o circo e deixam tudo em ordem, uma delícia”.
A palhaça Pendonga contou que Wilson conheceu o trabalho do grupo Sintonia do Riso e os convidou a participar do Circo Paratodos.
Sobre a escola de clown, disse Vasconcelos: “A Cajuve tem uma história muito legal, é uma instituição de São Bernardo e caminhou politicamente até chegar a ser a Cajuve, que apoia a juventude, bancada pela municipalidade, onde funciona uma escola de circo muito modesta, mas séria e comprometida. A maioria dos alunos treina [números] aéreo, trapézio. É uma moçada saudavelmente inexperiente, com desejo de fazer. Eles conquistaram a gente, colocaram a barricada na nossa estrada e falaram que dali nós não sairíamos sem eles. É uma experiência fantástica”.
Imprensa de olho no picadeiro
Vasconcelos, em nome de seu palhaço Gelatina, agradeceu à visita do Panis e Circus: “Hoje, um veículo como esse é ouro para a gente, o circo no Brasil está num momento tão fértil e tão inédito, de retomada, e o site, com essa militância e fé no circo, combina com o momento. [Quero destacar que] há algumas discussões na internet e outros espaços sobre o circo tradicional, contemporâneo, se o artista nasceu ou não no picadeiro”.
“Não sou de família de circo e a gente percebe que quem teve a boa sorte de nascer no circo nasceu sabendo de muita coisa e são os nossos mestres. Mas, quem não teve essa sorte, escolheu o circo pela paixão que desperta. No nosso caso não foi diferente, foi um sonho de quatro anos atrás, de construir uma casa de espetáculos, com características exclusivas do nosso trabalho. A gente conseguiu.”
Wilson Vasconcelos considera sua companhia jovem e ainda com dificuldades de viver da bilheteria. No final de “Palhaços – A Boa e Velha Gargalhada”, seu personagem Gelatina fez propaganda do circo vizinho ao Paratodos, o Tihany. “Faço questão de divulgar toda e qualquer lona, qualquer manifestação que esteja perto da gente, porque são esses caras que abriram caminho para a gente chegar aqui.”
Paratodos no Walmart
Vasconcelos disse que o Walmart é “um parceiro sem igual, há 12 anos”.
Nesta entrevista, Wilson Vasconcelos conta como deu início ao trabalho da cia. Capadócia, ao lado de João Donda. Fala de sua formação e aprendizado como artista televisivo na infância.
Wilson Vasconcelos, o palhaço Gelatina e o Circo Paratodos
Panis & Circus – Como vocês criaram o Circo Paratodos?
Wilson Vasconcelos – Há quatro anos, começamos a trabalhar com a ideia de construir um boneco com vários movimentos para números de ventríloquo. No decorrer da experiência, falei para o João: “Você sabe que eu tive uma ideia, por trabalhar sozinho, de montar uma pequena estrutura, para 20 ou 30 pessoas, para a gente levar para os Sescs e locais onde não seja necessário furar o chão, onde a gente não precise intervir no espaço. A gente podia pensar nisso, não?” Ele respondeu: “Olha, vou pensar em alguma coisa assim, mas vamos tocar a construção do boneco”. Paralelamente, a gente imaginou como poderia ser uma estrutura sem estacas, com possibilidade de montar em qualquer canto.
Circus – Essa estrutura pode receber um trapézio?
Vasconcelos – Não. Mas, o que aconteceu cronologicamente? Cada vez mais a ideia do boneco minou e o projeto da estrutura foi contagiando. A gente pensou que, se aumentasse um pouquinho, podia fazer um espetáculo para 30 ou 40 pessoas e chegou ao projeto final com a lona de 300 lugares. Nesse momento o João falou que gostaria que fôssemos sócios e começamos a pensar num trabalho profissional, de começar uma companhia do zero. Escolhemos o nome “Capadócia”. A companhia se tornou uma microempresa, alugou um espaço e montou o Circo Paratodos. Depois de três anos de luta, conseguiu patrocínio, via Lei Rouanet, da Mercedes Benz, e viabilizou o sonho de construir essa estrutura que é o circo teatro Paratodos.
Circus – O Circo Paratodos tem quantos anos?
Vasconcelos – Nasceu em 2010 com o patrocínio da Mercedes Benz e apoio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Um amigo que achou o projeto bacana deu a ideia de ver em São Bernardo do Campo, que é uma terra fértil, e ajudou nos contatos, ora com vereadores, ora com deputados.
Circus – O empreendimento pertence a você e ao João Donda?
Vasconcelos – Sim. O Donda não é ator, é um criador na área do teatro. Ele fez essa estrutura de lona sozinho e não tem nenhuma formação acadêmica para fazer isso. Todos os engenheiros e arquitetos [consultados] ficaram pasmos.
Retomada do circo teatro
Circus – O que faz em “A Menina Virou”?
Vasconcelos – Esse espetáculo é um clássico no universo do circo teatro brasileiro. É de autor desconhecido. No circo teatro a característica é a oralidade, todas as comédias praticadas no circo teatro são passadas de pai para filho, existe muito pouco registro escrito de textos.
Circus – O palhaço Picoly (Sbano) ajudou a estabelecer os diálogos?
Vasconcelos – O palhaço Picoly é padrinho nosso, não sei se a gente o adotou ou se foi ele quem nos adotou, ele é um dos melhores palhaços que conheci em cena, com uma vitalidade incrível. A gente é amigo e ele foi uma das pessoas que contaram a história de “A Menina Virou”.
O texto foi registrado por João Donda. Foi escrito na medida em que ele ouvia os relatos. Eu participo como ator, como palhaço. Não estou maquiado porque é um texto adulto, então, não entro de palhaço maquiado, mas todo trabalho é em cima do palhaço.
Veja aqui número de ventríloquo de Gelatina no programa da Hebe
Infância e formação
Circus – Você é ator, ventríloquo e palhaço?
Vasconcelos – Costumo dizer que tudo na minha vida pode acabar, mas nunca vou deixar de ter um nariz vermelho no bolso. A única certeza que tenho é que serei palhaço para o resto da minha vida.
Circus – Você se formou como palhaço?
Vasconcelos – Na realidade sou ventríloquo desde os oito anos de idade.
Circus – Conte isso.
Vasconcelos – Eu tinha oito anos, minha família se mudou de bairro e a gente descobriu sem querer que um vizinho foi um dos maiores artistas do Brasil. Minha mãe toca violão e me influenciou. Meu pai também gosta de arte, mas esse vizinho ficou amigo de minha família e, quando fiz oito anos, ele me deu um show de presente.
Para uma família de classe média baixa, da periferia de São Paulo, ganhar um show, conviver com um artista em 1981 era como hoje ter, sei lá, um carro importado. Não tínhamos máquina fotográfica, tanto é que não temos registro disso. A gente assistia à televisão em preto e branco, em casa, e ele fez um show com o Pinóquio.
Em minha casa estava o Pinóquio falando comigo ao vivo! Esse momento eu não esqueço mais, mudou minha vida. Até hoje me dá um nó na garganta, nem gosto de falar disso. Pinóquio estava vivo, no colo de meu vizinho, e falava comigo, sabe o que é isso? [risos] Eu perguntava e o Pinóquio respondia.
Existe um momento afetivo bem forte na minha memória antes e depois dessa festa. A festa acabou, grudei na perna do tio Bill, o grande artista Bill Boom. Só depois que ele morreu fiquei sabendo que era paulista. Não me lembro do nome correto dele, mas ele foi conhecido como Bill Boom – o homem dos sete instrumentos.
Circus – Existem registros do trabalho dele?
Vasconcelos – Sou historiador, então, tentei pesquisar, fui atrás de documentos que ele tinha. A família tinha entregue tudo ao Ministério do Trabalho para que ele conseguisse uma aposentadoria.
Tentei pesquisar, adoraria me aprofundar e devolver para a família, por gratidão. A esposa dele é viva. Os filhos são um pouco mais velhos que eu.
Todo dia, quando eu chegava da escola, eu passava na casa do tio Bill. Ele estava com o boneco. Minha família percebeu que não ia ter jeito, não tinha bola, não tinha bicicleta, não tinha pião. Teria de ser o boneco do ventríloquo. “O menino não vai parar quieto enquanto não tiver um boneco de ventríloquo.” Então ganhei meu primeiro boneco de ventríloquo, que o próprio tio Bill fez e que não usava, era o Chiquinho, de papel machê, a matéria básica, vestido com um terninho.
Era feito entre a fibra de vidro e o papel machê. Chiquinho sentava, mexia com a boca. Por ironia do destino, o programa “Silvio Santos” tinha no show de calouros a jurada Aracy de Almeida e era o momento de o calouro imitar um cantor, semelhante ao programa nos Estados Unidos.
Um dia foi ao programa uma ventríloqua e, por azar da minha mãe, eu vi na hora em que o Silvio Santos falou: “Se você for ventríloquo e quiser imitar o personagem do show norte-americano se inscreva”.
A gente tem uma madrinha rica na família, a única, e ela falou que eu tinha talento e disse para eu ir ao programa que ela pagava tudo, comprava roupa e mandava fazer um boneco, um sapinho. A gente adquiriu o boneco depois dessa coisa do Silvio Santos. Eu não tinha boneco ainda e lá fui eu para o programa.
A gente vê como a vida nos empurra. Por coincidência minha mãe se sentou do lado de uma senhora chamada Cida, que era esposa do Pedro de Lara. A Cida disse a minha mãe: “Teu filho tem talento”.
Foi o máximo a atração, consegui fazer bonitinho. Ela apresentou minha mãe a tia Irani, uma agenciadora de crianças artistas. Havia um menino chamado Selton Mello, uma menina chamada Angélica, a Simony (do “Balão Mágico”), várias crianças que ela agenciava.
Quem sabe ela não se interessaria por me agenciar também? Tia Irani me arrumou vários trabalhos, com o Danton, com o Selton, a Angélica, com toda a molecada da época. Assim, fui me tornando artista profissional.
Carreira na televisão
Circus – Começou em qual programa?
Vasconcelos – Comecei com Bozo, Atchim e Espirro, como convidado ventríloquo. Fiz meu número cerca de 300 vezes, como o único ventríloquo criança no Brasil, um título divertido, engraçado. Participei de programas na década de 80 como “Flávio Cavalcante”, “Jacinto Figueira Júnior”, todos como o único ventríloquo criança no Brasil.
Fiz quase todos os programas do circuito de TV, “Reapertura”, “O Povo na TV”, “Bolinha”, “Sérgio Mallandro” e vários outros de que não me lembro.
Vida de artista
Circus – E o circo?
Vasconcelos – Nunca tive relação com o circo. A primeira vez é esta. A Capadócia se oficializou em 2008 e o Circo Paratodos, em 2011. A gente fez a estreia no Memorial, por duas semanas, em dezembro de 2011, sem divulgação. Mas considera essa estreia a oficial, com o espetáculo infantil e o adulto.
Circus – Como se tornou palhaço?
Vasconcelos – Com 12 anos, por conta de eu ser ventríloquo, Paulo Idelfonso me convidou para fazer uma minissérie onde eu seria o protagonista porque eu era ventríloquo e usava o bonequinho na Gazeta ou na Record, mais ou menos em 1984.
Era exibida aos sábados na década de 80. Fui. Garoto, capricorniano, pavio curto como sempre. Por um problema bobo, briguei com o diretor e falei para minha mãe que eu não queria mais ser artista. Minha mãe ficou desesperada porque, depois de quatro anos, eu tinha certo prestígio.
Eu tinha pavor de qualquer pessoa que me associasse com as artes. Quebrei o boneco inteiro com 12 anos de idade, foi uma loucura. Hoje sei o valor que minha mãe tem na minha vida, mas a gente teve problemas por causa disso.
De office boy de periferia para o teatro
Na adolescência fui trabalhar de office boy, em mercado, o que um menino de periferia faz. Com 17 anos tive uma namorada da cidade de Piracaia [SP] e ela trabalhava numa empresa como secretária. Ela começou a me incentivar, conheceu minha mãe, que contou nossa história. Minha namorada me disse que havia uma escola de teatro com desconto, que era para eu fazer.
Fui fazer o curso de teatro. Hoje essa namorada é minha esposa, tem 22 anos que somos casados e é a mulher da minha vida por tudo que vivemos juntos.
Fiquei dois anos nessa escola, e o pouco que conheci de teatro foi Ivonei de Assis quem me ensinou. Ele é um pai para mim.
Encontro com a cia. Nau de Ícaros e a Cooperativa de Circo
Vasconcelos – Também conheci um amigo e a gente foi trabalhar para pagar o aluguel. Eu já queria casar e a gente foi fazer festa infantil para tirar um dinheirinho: coloca um nariz, um sapatinho, a gente conhece um e outro e foi assim que entrei para a Nau de Ícaros em 1995. Eu me envolvi com o circo.
Depois, quando a Nau de Ícaros se desfez, conheci a Cooperativa de Circo. Recentemente quase fui o diretor. Estudei história na Uniban para conhecer melhor o circo. Era uma universidade simples, sem muita pretensão acadêmica. Eu me graduei e não teve mais como sair, eu me tornei sócio do João Donda e temos nossa empresa e é isso.
Circo Paratodos e os números de habilidades
Circus – Quais espetáculos o palhaço Gelatina apresentou?
Vasconcelos – Muitos, a gente fez “A Voz da Praça”, que é um espetáculo de rua; “Palhaços – a Boa e Velha Gargalhada”, com direção coletiva, e agora está escrevendo uma comédia que a gente já apresentou, mas ainda não tem diretor eleito para essa produção.
Circus – Como enfrentam a dificuldade de ter uma peça, mas não ter a primeira parte do espetáculo tradicional, com números de habilidades?
Vasconcelos – Isso é uma meia dificuldade na medida em que a gente pretende ter números de circo, mas pressupõe uma articulação econômica que, para quem vive de bilheteria, não é tão confortável assim. Ou seja, tem de ter mais artistas, mais cachês e mais especialidades e isso não é nossa realidade agora.
Os artistas que estão aqui são jovens com pouca experiência e que não têm habilidades circenses, então, priorizamos os espetáculos. Por outro lado, a gente ousa em várias pequenas iniciativas. Cem por cento das pessoas que viram essa lona na estreia afirmaram que ela não pararia em pé.
Mas a gente fez contatos com engenheiros e arquitetos e está aqui há mais de um ano. Fazer espetáculos para os quais a gente tenha de formar o público é só mais um desafio.
Circus – Esses dramas do circo teatro não são meio clichês, como a “Paixão de Cristo”…
Vasconcelos – O barato é esse. Todos os circos tradicionais fizeram “A Menina Virou”, e a peça acontece com uma vitalidade muito grande.
Circus – Gostaria de destacar alguma coisa?
Vasconcelos – Estou feliz com a abertura da imprensa nesses últimos tempos. O público hoje precisa redescobrir o prazer que é ir ao circo. Uma tarde no circo é como uma tarde no parque com piquenique, é romântico.
A lona traz para as famílias o que nenhuma arte cênica traz. Se a gente assiste à novela e se tem uma megaindústria de novelas, isso se deve ao circo teatro, que promoveu essa arte nos anos 60 no país.
Isso é uma atividade que retoma nossas origens, e a criança se identifica, porque, em algum momento na infância, ela assistiu aos “Trapalhões” na televisão, ouviu a avó contar uma história.
A gente ouve os historiadores do circo, como a Erminia Silva, a Verônica Tamaoki, o Bolognesi, eles são categóricos em dizer que o circo foi o principal contribuidor para a construção da identidade cultural nacional.
As capitais e grandes cidades precisam levar as famílias para o circo de coração aberto e ver o que essa arte tem de bom, comer pipoca, é uma contribuição à nossa identidade.
Projeto de festival de ventríloquos
Circus – Fale do projeto do festival nacional de ventriloquia.
Vasconcelos – A gente já fez um ensaio dele dois anos atrás e não deu certo, não era um momento bom, e encuba a história para fazer o festival no futuro. Quer convidar ventríloquos do Brasil inteiro. A gente suspeita, apesar da raridade, que existam tipos diferentes de ventriloquia no país, pois encontra a prática tanto no universo do mágico quanto na animação de bonecos, que é de outra turma, os mamulengos são ainda de outra turma, e há os brincantes. A ventriloquia se dissemina de forma múltipla e a gente quer entender melhor.
Circus – Quem gostaria de convidar?
Vasconcelos – Chico Simões, de Brasília; Hugo Moraes, do Paraná; Valdeck de Garanhuns, de São Paulo, um superventríloquo, brincante, carismático. A gente quer juntar essa turma e ainda não tem a programação completa, mas pretende ocupar quatro dias pela manhã, à tarde e à noite. De manhã pretendemos oferecer café da manhã e, à tarde, oficinas abertas de ventriloquia.
Circus – No café haveria debates e palestras?
Vasconcelos – Sei que temos menos ventríloquos do que quaisquer artistas de outro segmento das artes cênicas. Não sei se a gente desenha um formato de debate, mas haveria dez pessoas mostrando suas técnicas, como fazem os bonecos, se usaram fibra de vidro ou mulungu.
Circus – Há financiamento para o festival?
Vasconcelos – O problema não é isso, dinheiro a gente arruma, estamos tentando vender essa proposta para o Sesc. A gente vai ver se consegue apoio de empresas privadas. O problema é saber onde essas pessoas estão. A gente quer fazer o festival porque o ventríloquo é tal qual o homem tradicional de circo, não tem acesso à internet, não é conectado.
O número de ventriloquia é intimista, então, imagino que os artistas estão no sertão de Pernambuco, no Agreste, com seu bonequinho numa escolinha fazendo um cachê para comer. Esses são os artistas que eu gostaria de descobrir, mas isso pressupõe um projeto maior, de ir a esses lugares pesquisar.
Descubro caminhos que as pessoas tomam usando a técnica da ventriloquia, não basta um boneco. Por exemplo, há os mágicos, os brincantes, como Valdeck e Nóbrega, e também os pastores de igreja, que usam a ventriloquia para fazer os cultos e colocam o boneco como Cristo, como servo, como um fiel, um religioso.
Eu queria chamar todos eles para pluralizar ao máximo. É a história do projeto, a gente tenta saber quem são as pessoas.
Espetáculos da cia. Capadócia
“A Menina Virou”
O espetáculo foi baseado nos enredos de peças antigas de circo teatro. O autor João Donda criou o texto a partir de entrevistas. Na história, Valente Capado é o prefeito da cidade de Perdição e vai inaugurar uma obra pública, o Viaduto Norte-Sul. Precisa contratar para a festa uma cozinheira internacional. Convida para o evento o trapaceiro senador Alvarado, seu tutor. A filha do prefeito, Rosinha, obriga o pai a contratar Lindauro, namorado dela, que se finge de cozinheiro.
Tudo caminha bem até aparecer na cidade uma jornalista para investigar um desvio de verbas. O secretário do prefeito, Cheiroso, aproveita para revelar a farsa do cozinheiro. Lindauro foge. Rosinha pede auxílio à empregada Tica, que faz um trato com o demônio para resolver as trapalhadas.
Ficha técnica
Texto: João Donda. Direção: Calixto de Inhamuns. Direção técnica: João Donda. Elenco: Betto Rodrigues (Secretário Cheiroso); Wilson Vasconcelos (Prefeito Valente Capado); Bárbara Mello (Tica); Carolina Coelho (Rosinha); Cadu Flores (Lindauro); Marcelo Duarte (Frei Gram e Gramunhão); Grazyela Dias (Magda Bateforte). Duração: 70 minutos. Classificação: Livre, com recomendação para crianças acima de três anos.
“O Segredo da Janela”
Os saltimbancos Chiquinho e Marieta viajam de cidade a cidade para apresentar sua arte e chegam a um lugar onde todas as janelas estão fechadas. Os dois saem para procurar a população. A garota Chicória aparece cantando em uma janela e um caso de amor entre o palhaço e a garota solucionam a trama.
Ficha técnica
Texto: Jucca Rodrigues. Direção: Jairo Mattos. Direção técnica: João Donda. Elenco: Cadu Flores (Chiquinho); Grazyela Dias (Marieta); Carolina Coelho (Chicória). Duração: 55 minutos. Classificação: Livre
“Capadócia”, região misteriosa
Kapadokya, em turco, é uma região histórica e turística da Anatólia central, na Turquia. O historiador grego Heródoto delimitava a região entre os Montes Tauro, o lago Tuz, o rio Eufrates e o Mar Negro.
Kapadokya é sinônimo de mistério porque possui formações geológicas singulares, originárias de erosões e erupções vulcânicas. Dizem que a região possui cidades subterrâneas e edificações escavadas em rochas. Nela, em 1985, segundo verbete da Wikipédia, o Parque Nacional de Göreme foi declarado Patrimônio da Humanindade pela Unesco.