Clip Click
Praça do circo enfrenta preconceito
A Secretaria Municipal da Cultura enfrenta “uma confusão armada” pela Associação Amigos de Vila Pompéia em torno da construção da Praça do Circo. A Associação diz se sentir ameaçada “de perder uma área verde na zona oeste, de 5.759 m² na Pompéia”, próxima ao shopping Bourbon.
Carlos Augusto Calil, secretário de Cultura, afirma que “a cidade tem uma demanda reprimida por circo e mais da metade da área da Pompéia será mantida verde”, segundo reportagem da Folha de S.Paulo de 26 de fevereiro.
Ainda de acordo com o jornal, a presidente da Associação, Maria Antonieta Lima e Silva, 75, acha que “o circo atrairá mais carros a vias já congestionadas como a avenida Francisco Matarazzo”. Antonieta Lima tem também outras preocupações. ‘O circo atrairá maus elementos das cercanias, desocupados, e isso nos preocupa’, disse”.
Hugo Possolo, diretor do grupo Parlapatões e do Circo Roda, em carta à Folha, afirma: “Ao contrário do que sugere essa senhora, a criação de mais um equipamento cultural ampliará o convívio e a segurança do local, até então abandonado”.
Verônica Tamaoki, do Centro de Memória do Circo, faz coro a Possolo e também em carta ao jornal diz tratar-se de uma “declaração equivocada e preconceituosa (…), um total desconhecimento sobre a importância do circo nas artes e na cultura brasileira”.
Abaixo a íntegra das cartas.
O circo responde:
“Lamentável a declaração da presidente da Associação de Amigos de Vila Pompéia, Maria Antonieta Lima e Silva, sobre o projeto da Secretaria Cultura que prevê a instalação de um circo público no bairro (´Criação de circo na prefeitura leva polêmica à Pompéia´, Cotidiano, 26/2).
Numa declaração equivocada e preconceituosa, ela afirmou que o circo atrairá maus elementos e desocupados, mostrando assim, total desconhecimento sobre a importância do circo nas artes e na cultura brasileira” – Verônica Tamaoki, do Centro de Memória do Circo (Painel do Leitor da Folha de S.Paulo – 29.02.2012)
“A reportagem ‘Criação de circo na prefeitura leva polêmica à Pompéia (Cotidiano, 26/2) traz depoimento da presidente da Associação Amigos de Vila Pompéia, Maria Antonieta Lima e Silva, em que ela afirma que ‘o circo atrairá maus elementos das cercanias, desocupados, e isso nos preocupa’. Tal visão, no mínimo preconceituosa, agride profundamente os circos brasileiros, que têm sido expulsos das grandes cidades por falta de terrenos para montar suas lonas.
Ao contrário do que sugere essa senhora, a criação de mais um equipamento cultural ampliará o convívio e a segurança do local, até então abandonado. Vale destacar que a lona ocupará menos de 10% da praça, em área que não está ocupada por vegetação.
Parabéns ao secretário de Cultura por levar adiante esse projeto que beneficiára os artistas e a população de São Paulo.” Hugo Possolo , diretor do grupo Parlapatões e do Circo Roda.
Projeto Circo Escola ganha vida no Largo do Paissandu
Deve sair a tão esperada escola de circo, há três anos prometida pela prefeitura de São Paulo, no Largo Paissandu, centro da cidade. Com 6,9 mil m² a escola terá o nome Circo Escola Piolin, homenagem ao palhaço que se apresentou na região durante 30 anos, informa o jornal O Estado de S.Paulo, em 15 de março de 2012, uma quinta-feira.
“A Secretaria Municipal da Cultura lançou o edital para as obras, estimadas em R$ 35 milhões, que devem ter início neste ano. A expectativa da Prefeitura é de que o equipamento ajude no processo de revitalização cultural da região central”, segundo o jornal. O contrato deve ser assinado até o meio do ano com duração de trabalhos de até 12 meses.
Ainda de acordo com o jornal, o projeto apresenta um edifício dividido em duas partes: “uma é um picadeiro circular, com lonas feitas para durar 35 anos ou mais, e outra é o prédio da escola, que ficará do lado oposto do Largo e será feito de concreto aparente, para contrastar com a estrutura metálica do picadeiro. Além das duas estruturas, o Circo Escola terá também arquibancadas, vestiários, camarins, bilheterias, um pequeno museu com biblioteca — onde será a sede definitiva do Centro de Memória do Circo, que desde 2000 funciona na Galeria Olido – e auditório com luz natural.”
A região escolhida tem ligação muito forte com o circo, é uma referência desde o século 19. “Durante décadas, bares e cafés localizados nas proximidades alternaram-se como ponto de encontro de artistas, sempre às segundas-feiras – dia de folga semanal da categoria”, segundo o Estadão.
As trupes circenses não deixavam de ir ao Largo quando passavam por São Paulo por volta de 1870 e a população admirava os artistas. Com o nascimento do Circo Escola novas gerações de artistas serão formadas resgatando a movimentação e a energia do passado.
Observação: Esta seção “Clip Click” acompanha semanalmente o que é publicado sobre as artes circenses nos jornais e revistas. Assim, o site Panis & Circus informa os principais acontecimentos na vida no picadeiro.
Crédito da foto de Carlos Augusto Calil: Reprodução/ site da Secretaria Municipal de Cultura da cidade de São Paulo.
Debate entre três palhaços
Em novembro de 2011, o Centro de Memória do Circo realizou uma roda de conversa entre Roger Avanzi, Benedito Sbano e Teófanes Silveira, os palhaços Picolino, Picoly e Biribinha.
O público riu quase o tempo todo com os causos do circo brasileiro no tempo em que havia dramas e comédias apresentadas no picadeiro, perto das décadas de 1940 e 60.
As pessoas presentes aprenderam centenas de infomações históricas sobre a arte do circo no Brasil. Durante o debate, o pesquisador da ECA/USP Walter Sousa esteve ao lado de Verônica Tamaoki, diretora do centro.
Sousa estuda as peças recolhidas durante o período da ditadura militar, quando o Exército brasileiro apreendeu textos que considerava de cunho comunista. Entre esse material estavam livros de circo-teatro, disponíveis agora na ECA para catalogação e pesquisa.
Picolino
Roger Avanzi, mais conhecido como o palhaço Picolino II, do Circo Nerino e mais tarde do Circo Garcia, é o contador da história do Circo Nerino para a jornalista Verônica Tamaoki, que virou livro, com título homônimo ao do circo que ele herdou do pai, Nerino Avanzi. No debate, contou histórias bem engraçadas.
Biribinha
O segundo debatedor da noite, Biribinha, é um palhaço baiano voltado para o palco, para a expressão teatral no circo-teatro.
Teófanes Silveira, o Biribinha, herdou esse nome de seu pai, Nelson Silveira, o palhaço Biriba. Em Salvador, Teófanes, no final do ensino médio, impressionou tanto o diretor do curso de artes cênicas ao declamar um poema, pela sua expressão e entonação, que foi convidado a fazer o curso de teatro, tornando-se ator de teatro.
Em uma peça de Gilda Abreu apresentada pelo circo de sua família, Teófanes provocou risadas da plateia ao falar algumas palavras erradas. O pai perguntou quem o havia autorizado a falar daquele jeito e o filho respondeu: “Ninguém”. Nelson falou: “Aguarde até amanhã”.
No dia seguinte, o pai colocou o filho para representar na mesma peça, com o rosto pintado de palhaço, e foi aí que nasceu Biribinha. Seu nome foi sugestão do eletricista do circo.
Picoly
Benedito Sbano, o palhaço Picoly, de tradição cigana, teve um circo de teatro e de cavalos com o irmão, Zurka Sbano. No debate, ele rememorou os tempos do circo-teatro, quando viajava com a família armando a lona.
Nessa época, o circo era obrigado a contratar um palhaço “da praça”, conforme se falava, que significava que tinha de ser um palhaço da cidade onde se apresentava.
Em 2010, Benedito Sbano recebeu o Prêmio Governador do Estado e integrou o projeto “Entre Risos e Lágrimas – O Teatro no Circo (da Pantomima aos Dramas)”, promovido pelo Centro de Memória do Circo e pelo Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Censura – Arquivo Miroel Silveira, da ECA/USP.
Torcidas das bandas de música das cidades
Picolino II, Roger Avanzi, do Circo Nerino e depois do Garcia, disse no debate que teve o privilégio de conviver com muitos músicos. A maioria dos artistas circenses daquela época tocava um instrumento. Além disso, o circo contratava bandas musicais para acompanhar o espetáculo em cada cidade a que chegava.
“Todas as cidades possuíam suas bandas de música, e vocês nem podem imaginar a importância que tinham na época. Elas tinham torcidas. Por isso, era preciso contratar, às vezes, duas bancas. Quando tocava uma, a torcida da outra não ia ao circo e vice-versa.”
“A banda de Sebastião Ferreira era considerada a mais avançada porque tinha suíngue. Além de marchas e dobrados, eles tocavam jazz.”
O espetáculo circense era apresentado em duas partes, acrescenta seu Roger. “Na primeira, levavam-se acrobacia, malabarismo, trapézio, arame, cavalos, palhaço e, na segunda, teatro.”
O pallhaço Sbano, o Picoly paulistano, completou Avanzi: “Costumávamos perguntar para o artista: ‘Você é de primeira ou de segunda?’ Aí já sabíamos em que ele atuava. As chanchadas derivavam das grandes peças ‘finas’ do Teatro Municipal. Essas peças viravam comédias, formando as chanchadas”.
Responsabilidade pelo palhaço da praça
Sbano relembrou que, no circo-teatro, quando viajava, a companhia contratava um palhaço da “praça”: “Era uma responsabilidade grande, para nós e também para o palhaço. Mas no final sempre dava certo, agradava”.
Sbano, o palhaço Picoly, disse que, nos espetáculos, havia o mocinho, o galã, a mulher que gostava do mocinho, a ingênua e o mau caráter, o cínico.
Mas também se montavam dramas, como “A Cabana do Pai Tomás”, e peças com fundo religioso, como “Sansão e Dalila” e “As Últimas Palavras de Santo Antônio”.
Peças do circo-teatro exploram improviso
Roger Avanzi, o palhaço Picolino II, falou de cenas que protagonizou em uma das peças do circo-teatro durante o bem-humorado debate.
“Na peça ‘Sansão e Dalila’, um ator e sapateador do circo, o Belmiro Medeiros, o Baby Moleque, aprontou uma comigo. Eu fazia o Sansão com aquela bruta cabeleira, que era uma peruca, porque perdi o cabelo muito cedo.”
“Em cada cidade que a gente parava com o circo era feita uma escolha dos figurantes. Hoje se chama figuração, antes se chamava comparsia. Apareceram muitos rapazes para fazer testes para a cena em que o Sansão brigava com todo mundo e matava o leão.”
“O Baby Moleque chegou para um rapaz, que havia sido escolhido para figuração, e disse: ‘O Sansão vai derrubar todo mundo, menos você. Você agarra o Sansão e não larga dele de jeito nenhum’. Aí ele seguiu à risca a orientação de Baby e, na hora da luta, enganchou as pernas na minha cintura e os braços no meu pescoço. Quando senti que ele não ia me largar, pensei: ‘O que vou fazer’? Por que ele não cai como os outros?’.”
“Daí empurrei-o com toda força. Ele caiu, mas levou a minha peruca. O Sansão, personagem que tem a força nos cabelos, ficou no palco careca. Não tive muito o que fazer: pulei para dentro da cortina num salto com o leão.”
“Não estou contando piadas, são fatos verídicos.” Todo mundo riu na plateia.
O maior sucesso dos circos, de acordo com Picolino II, não só do Nerino, mas de todos os circos-teatro brasileiros, foi “A Paixão de Cristo”, de Eduardo Garrido (segundo o livro “Circo Nerino”, de Roger Avanzi e Verônica Tamaoki). Sbano e Silveira concordaram.
Seu Roger Avanzi contou que nas peças de circo-teatro aconteciam muitos cacos, ou improvisos.
“Em uma temporada, um dos intérpretes de Jesus era fumante inveterado. Em qualquer intervalo da peça ele acendia um cigarro. Um dia, já estava amarrado na cruz e pediu um cigarro para dar umas tragadas.”
“Abriu a cortina e ele jogou o cigarro da boca. Mas caiu no meio de seus pés.” O ator ficou tentando apagar com sopros, segundo Picolino. “Há quem diga que foi uma interpretação soberba do sofrimento de Cristo”, finaliza Avanzi.
Histórias do palhaço Biribinha
Biribinha também se lembrou de uma cena na apresentação da “Paixão de Cristo” no circo em que trabalhava, em Cachoeira de São Félix (BA), e que provocou uma risada geral entre o público.
Durante os intervalos, era vendido em garrafinhas um refresco de groselha que a mãe dele fazia. Ela avisava para os vendedores que só podiam vender o refresco no intervalo da peça.
“Não podiam atrapalhar o espetáculo. Mas um deles não escutou direito as ordens. Está lá Jesus Cristo na cruz, que diz: ‘Tenho sede’. E o gaiato grita: ‘Olha o refresco’.”
Biribinha também contou sobre a encenação de uma peça baseada na música “Coração Materno” (1951) – que ficou famosa na voz de Vicente Celestino e foi regravada por Caetano Veloso.
Biribinha cantou a letra da música para situar a plateia. Sintetizando, a letra é a seguinte: “Disse o campônio a sua amada: /Minha idolatrada, diga o que queres, /Por ti vou matar, vou roubar, /E ela disse ao campônio a brincar: /‘Se é verdade tua louca paixão, /Partes já e para mim vá buscar /De tua mãe inteiro o coração’/(…) Chega à choupana o campônio, /Encontra a mãezinha ajoelhada a rezar. /Rasga-lhe o peito o demônio /Tombando a velhinha aos pés do altar. /Tira do peito sangrando da velha mãezinha /O pobre coração e volta a correr proclamando: /‘Vitória, vitória tem minha paixão. /Mas em meio da estrada caiu /E na queda uma perna partiu /E à distância saltou-lhe da mão /Sobre a terra o pobre coração. /Nesse instante uma voz ecoou: /‘Magoou-se, pobre filho meu, /‘Vem buscar-me, filho, aqui estou, / Vem buscar-me que ainda sou teu’”.
Biribinha explicou que o coração na peça era feito de borracha, com desenhos das veias, e tinha até um mecanismo que o fazia pulsar.
Biribinha conta trecho do caso
“Na hora em que o ator que carrega o coração da mãe o deixa cair sobre a terra ao som da fala: ‘Vem buscar-me, filho, que ainda sou teu’, o coração sai pulando sozinho…”
Foi só risada naquela época, e a plateia que assistiu ao debate em novembro de 2011, ao escutar o relato do palhaço, morreu de rir também.
Presente de papel machê
Durante o debate no Centro de Memória do Circo, Sbano relembrou passagens de sua atividade como palhaço nas comédias, dramas e chanchadas do circo-teatro de sua época.
“Havia brigas cômicas, como dar latadas na cabeça do bandido, um dava uma pernada no outro, fubá na cara de um outro, golpes em um e outro bandido até chegar ao chefe. A comédia tinha sempre correria. Isso vem de longe. Antigamente se chamava pantomima. Antes eram mímicas e depois veio a fala”, arrematou Sbano.
“O circo-teatro era bom à beça, apresentava uma comédia por noite”, disse Sbano. “Nós fazíamos finas comédias do teatro nacional. O circo aproveitava essas comédias e as transformava em chanchadas”, completou Roger Avanzi. Uma delas, “Chica Boa”, de Paulo Magalhães, no circo, ganhou o nome de “Velha Mandona”.
Atualmente, Biribinha também “faz arte” em papel machê. No final da apresentação, ele entregou a Picolino II e a Picoly dois palhaços de papel machê com características deles, que Silveira confeccionou em seu ateliê.
Os dois palhaços se emocionaram com o presente.
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