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Crise chega à cultura e provoca cortes
Alta do dólar inviabiliza shows com grupos internacionais, avalia Danilo Miranda, do Sesc
JULIO MARIA (Do Estadão)
A crise chegou à cultura. Com o maior nível de desemprego desde 2010 e o dólar cotado acima dos R$ 3,80, grandes empresas, donos de casas de show e produtores refazem estratégias para o final de 2015 e contam as moedas para 2016. Cada área tem sentido o golpe a seu modo (veja abaixo como elas reagem) e investido em novas formas de arrecadação para fazer o show continuar.
A música anda em rotação menor. O Sesc, que tem como fonte de renda direta o nível de emprego do País, recebendo 1,5% sobre a folha de pagamento das empresas, decidiu cortar contratações em moeda estrangeira. “Estamos quase que eliminando shows com grupos internacionais. O fato de o câmbio ter estourado inviabilizou isso”, diz Danilo Santos Miranda, diretor regional da instituição (foto acima de Alex Silva/Estadão).
Outro realinhamento será feito com relação aos shows de grande porte, como os de Caetano Veloso, Lenine, Gal Costa e Gilberto Gil. Danilo Miranda diz que esses artistas são sempre trazidos depois de muita negociação e que seus cachês nunca são os mesmos pagos por grandes casas, mas que sua frequência deve diminuir. “Vou ter que medir mais, ver se compensa. Vamos ter que trabalhar com muito mais cuidado.”
Há três anos, a Petrobrás destinava a maior verba de sua história para o projeto de investimento na área cultural: R$ 67 milhões para 11 segmentos diferentes. Artistas que eram aprovados por uma comissão formada por especialistas recebiam em torno de R$ 600 mil para gravar um disco e fazer shows para lançá-lo pelo Brasil. Estúdio, viagens, assessoria de imprensa, tudo era garantido por um projeto que se orgulhava da transparência de seus processos e da qualidade dos álbuns que dava vida.
Os investimentos na área musical não foram retomados desde 2012 por conjunções astrais internas e externas. Além de se tornar celeiro de um dos maiores escândalos em desvios milionários, deflagrando o atual abalo político-econômico no País, a estatal levou outro golpe com a guerra pelo preço do petróleo travada entre Estados Unidos e Arábia Saudita. Em reação ao aumento da produção dos EUA em território americano, os sauditas colocaram seus estoques a menos de US$ 50 o barril para minar a concorrência. O problema é que, junto com Obama, deslizam para o poço as exportações da Venezuela e do Brasil, puxando o faturamento para baixo.
Uma fonte afirma que este é o momento em que as estratégias para 2016 estão sendo traçadas. Será um ano de aperto e reajustes sem nenhuma garantia de que o projeto específico para a música seja retomado. E, antes de defini-lo, haverá pesquisas de opinião para entender melhor como seu público percebe as ações. A boa nova é que a empresa já sabe que fazer cultura não é fazer bondade – ou só fazer bondade. As únicas notícias positivas atreladas ao nome Petrobrás nos últimos anos foram lidas nos cadernos de cultura. Ao contrário da visão dos anos 90, a arte e o entretenimento passaram a ser o principal veículo de comunicação das empresas e o cofre em que seus recursos ficam guardados recebeu a etiqueta de “verba de marketing”.
A empresa de cosméticos Natura construiu nos últimos dez anos um projeto sólido na área musical. Atrações regionais e outras maiores, como Emicida, Gal Costa, Ney Matogrosso, Elza Soares, Arnaldo Antunes, BNegão e Tom Zé fizeram discos caros e de produção espaçosa, pagos com uma verba dividida em dinheiro de incentivos fiscais (aquele que se não fosse para a cultura iria para os cofres do Imposto de Renda) e em verba de marketing. Depois de gravar como quer, às vezes até fora do País, os abençoados saem em turnê com tudo bancado pela empresa, que não interfere no conteúdo artístico por não depender de venda.
A crise não mudou o conceito do projeto, diz Fernanda Paiva, gerente de marketing institucional da Natura. O conceito não mudou, mas o dinheiro agora é uma incógnita. É certo que os projetos de 2016 contarão com a verba incentivada de R$ 6,4 milhões, mas a empresa ainda não definiu quanto vai colocar do próprio bolso. Em 2014, foram R$ 15,1 milhões, sendo destes R$ 8,4 milhões de dinheiro próprio.
Critérios de seleção também devem ser redefinidos para uma escolha mais precisa. “A ideia é reinventar algumas fórmulas para gerar mais frutos e sermos mais eficientes.” Depois de horas em reunião, as vozes do marketing convenceram as planilhas da direção de que o retorno à marca é visível e saiu com uma vitória: pela primeira vez, a empresa vai realizar um festival com seus artistas na Praia de Copacabana, em novembro, de graça, com recursos próprios.
Há outra boa notícia: em época de crise, quem deve ganhar é o artista de médio porte, que não tem a mídia a seu dispor mas que já está no ponto para a virada. “A limitação de verba vai nos fazer olhar para esses artistas com mais frequência”, diz Edgar Radesca, sócio do Bourbon Street e produtor de festivais de jazz. Eduardo Saron, diretor do Instituto Itaú Cultural, vai na mesma toada: “É a hora de olharmos mais para a essência”.
Crédito/foto de Danilo Miranda – Alex Silva/Estadão