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Impasse aéreo com “Homens de Solas de Vento”
Enredo suspenso no ar
Mônica Rodrigues da Costa
Dois homens estão num saguão de aeroporto impedidos de seguir viagem. Perambulam no espaço em meio à movimentação intensa comum nos ambientes com fluxo de pessoas, representado com desenhos de luz na cenografia e pela reprodução de sons urbanos na trilha musical – conversas de passantes, sirenes, latidos de cães, barulhos metálicos.
Somam-se ao enquadramento da situação dramatúrgica os objetos de cena e os espaços aéreos que ambos passam a habitar. Soa estranho o impasse opressor da inusitada prisão, mesmo já tendo sido incluída no imaginário popular devido ao filme de Steven Spielberg “O Terminal” (2004).
O lugar onde os atores se posicionam deixa tudo com ar de estranhamento, meio ao estilo da peça “Woyzeck”, de Georg Büchner (1813-1837).
Entre o trágico e o cômico, os atores precisam reconstruir o mundo com objetos escassos que encontram no saguão e com o conteúdo de suas bagagens. Quando abertas, elas apresentam um mundo renovado em que o exíguo espaço de uma mala serve de casa e de palco para uma vida que se reinventa em acrobacias, giros e novas possibilidades gestuais.
Mediante a identificação por viver os mesmos problemas, os personagens se espelham e fazem graça de palhaços tristes em peripécias aéreas que representam a fragilidade da vida cotidiana e ao mesmo tempo provisória, paradoxalmente.
É tão inusitado estar aprisionado ali quanto viver como se não houvesse chão para pisar. Suspensos no ar pelas cordas do circo, os palhaços tomam à frente dos atores e se divertem e divertem a plateia em quedas acrobáticas, giros, interação física em números de dupla, erros que provocam risadas meio tensas no público.
Em “Homens de Solas de Vento” (1997) a linguagem dos números circenses suspende a crença no trocadilho inesperado com a arte do equilíbrio e do trapézio em balanço, que deixa os personagens literalmente à beira do abismo, sob o risco de sucumbir a qualquer momento.
Os atores Bruno Rudolf e Ricardo Rodrigues, sem usar diálogos e explorando a gestualidade do teatro físico, da mímica gestual e da dança, tiram leite de pedra ao fazer todo mundo rir do que seria sinistro e pesado em outro contexto.
Ambos atingem o ápice nos números em que se soltam no ar com leveza e precisão.
As imagens montadas ritmadamente pela direção do espetáculo, de Rodrigo Matheus, leva o trapézio a contrastar com a vida chã em oxímoros visuais, ou seja, há na peça uma brincadeira poética com os sentidos antitéticos, que se opõem. Essa ambivalência faz de “Homens de Solas de Vento” um grande espetáculo de intensidade lírica.
O time que concebeu o espetáculo é de primeira. A trilha sonora de Marcelo Lujan, musicista palhaço, integrante dos circos Amarillo e Zanni, intensifica o absurdo da situação, com intervalos melódicos que suavizam o que seria uma situação desesperadora.
Ficha técnica
Criação e atuação: Bruno Rudolf e Ricardo Rodrigues / Direção: Rodrigo Matheus / Trilha sonora: Marcelo Lujan / Iluminação: Douglas Valiense e Maria Druck / Orientação de arte: Luciana Bueno / Orientação circense: Erica Stoppel / Orientação coreográfica: Adriana Grecchi / Orientação técnica: Alex Marinho.
Clique aqui para ler comentário do Panis & Circus sobre a “Aventura aérea em João e o Pé de Feijão”
Clique aqui para ler comentário do Panis & Circus sobre a “Volta ao mundo em 80 dias”
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Fotos – Alyne Albuquerque / Regina Bonani
Postagem – Alyne Albuquerque
Tags: Bruno Rudolf, Homens de Solas de Vento, O Terminal, Ricardo Rodrigues
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