Pé na Estrada
“L’Immédiat”: circo contemporâneo em boa forma
Bell Bacampos
Eles entram em cena e os objetos começam a despencar. A mesa perde duas pernas, a parede desmonta, a porta cai, o lustre desaba, a escada solta os degraus e o livro perde as páginas. É uma sequência de cenas em que os acrobatas saltam de um objeto para o outro antes que as coisas se espatifem no chão. Parecem cenas desastradas de comediantes do cinema mudo – só que, agora, ao vivo e em cores. Impossível ficar impassível assistindo a “L’Immédiat”, montagem impactante criada pela companhia que tem o mesmo nome do espetáculo.
No palco, a grande quantidade de objetos está espalhada no chão. Entra em cena uma faxineira que finge varrer para debaixo do tapete aquela montanha de sujeira. O espetáculo abriu a 9ª edição do Festival de Circo do Brasil, que ocorreu em 11 de outubro passado, na capital de Pernambuco, e permaneceu na cidade para mais três apresentações.
Em entrevista ao site Panis & Circus, Danielle Hoover, organizadora do festival, destaca que “L’Immédiat” é a melhor produção que ela teve oportunidade de trazer a Recife desde a estreia do Festival, há nove anos. “É um espetáculo raro. Trata-se da concepção do caos, um objeto derruba o outro em cena”, disse.
Para conseguir trazer o espetáculo, que tem cerca de duas toneladas de carga na cenografia, Danielle Hoover dividiu os custos com o Bradesco e o Sesc. Em 26 e 27 de outubro, “L’Immédiat” esteve no Rio de Janeiro, no Teatro Bradesco, que fica no shopping Village Mall, Barra da Tijuca. E em São Paulo para apresentações no Sesc Pinheiros nos dias 1, 2 e 3 de novembro.
“L’Immédiat”, ou, em português, “O Imediato”, passeia pela imprevisibilidade e tira o fôlego do espectador pela dinâmica impecável entre equilíbrio e desequilíbrio.
Do chão ao teto, o espaço é preenchido com objetos como caixas, e os artistas mostram como as pessoas se acostumam e convivem com o caos do cotidiano nos grandes centros urbanos. Todo mundo se cerca de bugigangas: lixos e luxos sem sentido.
O diretor do espetáculo e criador da companhia L’Immédiat, Camille Boitel, afirma que interessa a eles transmitir em cena “a fragilidade das tentativas de controlar a vida”. Nesse orquestrado caos de circo-teatro, os artistas desafiam objetos que os ameaça, com humor e habilidade física em estilo que lembra o dos filmes de Buster Keaton (1895-1966).
Em meio a uma pilha de escombros, os ágeis acrobatas empurram com vassouras os objetos até o fundo do palco e os escondem no meio de painéis de tecido preto, espécie de biombos destinados a tapar o acúmulo de coisas guardadas. O palco torna-se minimalista: restam apenas um armário e uma mesa como peças principais em cena. De dentro da gaveta surgem mãos e em um armário assiste-se a um entra e sai de personagens. Entre o público presente não faltaram elogios. Houve vozes dissonantes: é escuro e um tanto arrastado, diz a médica Anita Costa.
O fato é que “L’Immédiat” desconstrói literalmente o circo tradicional e cria o circo novo em cena. Ou como sintetiza o jornal inglês “The Guardian”: “Uma obra genial do circo contemporâneo. Filosofia em movimento.”
Postagem: Alyne Albuquerque