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Livro “Estórias de Uma Perna Só”, de Ditão Virgílio, mostra o saci, que é protagonista de festa popular em São Luiz do Paraitinga
Estórias de perna curta e de uma perna só
Se mentiras têm perna curta, estórias podem ter uma perna só. Principalmente se são escritas com “e”, com traquinagens e invenções.
No dicionário Michaelis, a explicação para a palavra é adequadamente popular: “Estória: narrativa de lendas, contos tradicionais de ficção; ‘causo’; ‘Ouviram atentos aquelas estórias de mentira, da mula sem cabeça, do saci, do curupira. Mais tarde tiveram que mergulhar fundo nas histórias de verdade, para saber como foi construído o Brasil’ (Francisco Marins)”.
Tanto “estórias de mentira” quanto “histórias de verdade” encontram-se dissolvidas no livro “Estórias de Uma Perna Só” (R9 Artes Gráficas, 1º edição, 2010), de Ditão Virgílio.
A obra retrata, de maneira única, um Brasil extenso e antigo, que luta para preservar muitos de seus costumes interioranos, os quais, gradativamente, vêm sendo contaminados pelos grandes centros urbanos e por tecnologias.
Mesmo com o exagero de Jô Amado, ao dizer no prefácio do livro, que este “discute toda a cultura de um povo” (pelo fato de a palavra “toda” ser muito abrangente quando se trata da riqueza da cultura popular brasileira em seus cinco séculos de desenvolvimento), é fato que uma boa dose da base dessa cultura está contida nas 158 páginas da obra.
Lançado durante a oitava edição da já tradicional Festa do Saci na cidade paulista de São Luiz do Paraitinga, “Estórias de Uma Perna Só” traz 20 capítulos escritos em versos que retratam a simplicidade do falar caipira e o modo de viver no campo, tendo sempre o saci – um dos mais fortes personagens mitológicos brasileiros, com data comemorativa em 31 de outubro – como protagonista das histórias.
Originalmente lançados em forma de cordéis, os versos de Ditão tornam-se ainda mais mágicos com as ilustrações de Geraldo Tartaruga no início de cada capítulo.
O saci e o caipira encontram-se logo no primeiro verso do primeiro capítulo. O encontro só podia ser fruto de molecagem do saci:
O caipira acordô di noite
C’os cachorro latino
Um sobio ardido
Ele tava ovino
O tropé dum cavalo
O saci tava vino
Pegá fumo no fogão
Aonde ele fica bulino
Mas, como é sabido, existe amizade entre o saci e o caipira, que compartilham a realidade do ambiente rural, por mais que o último, muitas vezes, tente pegar o saci por meio de armadilhas. Porém, o saci alerta:
Se quisé me caçá
É só usa a penera
Mai tome muito cuidado
Num cometa essa bestera
Purque se eu iscapá
Eu tento a vida intera
A opção de um “falar caipira” nos versos é justificada na orelha do livro como uma maneira de “facilitar a compreensão e transmissão oral desse saber”. Reforça-se a ideia com um brevíssimo comentário sobre o surgimento desse falar, originário da união entre o português e o “nheengatu”, uma mistura de português e espanhol falado pelos indígenas no início da colonização do continente.
Assim, no ritmo sossegado do linguajar caipira (“nheengatu” significa “língua fácil”), as páginas também falam de outros encontros com personagens, em sua maioria folclóricos, como “O Saci e a Iara”, “O Saci e a Caipora”, “O Desafio do Saci e a Mula Sem Cabeça”, “O Saci e o Lobisomem”, sem se esquecer do curupira e do boitatá em seus versos. É um resgate intenso do que há de mais conhecido no folclore brasileiro, com anedotas repletas de informações tradicionalistas sobre tais personagens.
Im seguida eu notei
I bem longe avistei
Vino da banda di lá
Uma luiz iguar lamparina
Bem no morro lá im cima
Era o tar di Boitatá
Abordar um Brasil interiorano significa abordar a fauna e flora e citar representantes como a onça-pintada, o bem-te-vi, a cotia, a sucupira e a embaúba. Ao mesmo tempo em que Ditão descreve a beleza e a riqueza das matas brasileiras, ele também fala de problemas recorrentes, como as queimadas. Impossível não se emocionar com o modo como ele descreve o alastramento do fogo e o consequente desespero dos animais e (por que não) das plantas.
Di repenti o pica-pau
Grita pra alertá (…)
Pusero fogo no mato
Temo que i apagá
(…)
O inxame di abeias
C’a rainha debandô
Só se ovia o istrondo
Do bambu que istorô
A fumaça foi demai
Que inté a árve chorô
Por sorte, no mundo folclórico, os problemas se resolvem por magia, e o saci, como defensor da mata, traz a chuva que apaga o incêndio.
Fiz magia veio a chuva
I o incêndio se apagô
Um rastro di destruição
Pela froresta ficô
Tentano apagá o fogo
Minha perna se queimô
Além da natureza, quem conhece ou vive no interior do país sabe da importância das festas populares (de cunho religioso). No livro, apesar de existirem passagens que exemplificam vários tipos de culto e tradição, o destaque fica com a Festa do Divino, celebrada em diversos Estados, e que ganha uma “estória” completa em um capítulo. Quanto à culinária caipira, paçoca, pamonha, arroz-doce, doce de abóbora, doce de leite, canjica e afogado de carne ajudam a recender as páginas com a ajuda do fogão a lenha.
As foia é preparada
Di uma em uma é lavada
Pra fazê o copinho
Minina segura a caneca
Pamonha vira boneca
Da cintura marradinha
Ao contextualizar o mundo rural com suas crenças, hábitos e situação socioeconômica, as estórias traçam paralelos com a situação do mundo moderno, seja por meio de catástrofes naturais (como as temidas “ondas gigantes”), seja por meio da migração do homem rural para a cidade ou, ainda, devido aos aparatos tecnológicos que inundam os campos.
O caipira ino embora
Vai cabá sua curtura
Num sô contra calipio
Mai sim a monocurtura
Num comemo celulose
Nem essa madera dura
É cum sede di dinhero
Que cometem essa locura
É do Brasil interiorano e folclórico que vem o autor, Ditão Virgílio. Nascido em São Luiz do Paraitinga em 1949, Ditão é agricultor e “poeta caipira”, como bem define Jô Amado. Na ocasião do lançamento de “Estórias de Uma Perna Só”, em 2010, o escritor mostrou-se um “especialista em sacis” ao esmiuçar as diferenças entre os “tipos” de saci e afirmar que os vê desde a infância. No entanto, deixou claro que saci “não aparece para todo mundo”. No livro, o saci avisa:
Quano tá na luiz do dia
Tem gente que faiz gozação
Dizeno que nun existo
Que é mentira ou invenção
Mai no escuro i sozinho,
Quano faço a aparição
Grita pur tudo os santo
Chora e pede perdão
Link para entrar em contato com os editores da obra: re9artesgraficas@hotmail.com
Palhaços e sacis se encontram em São Luiz do Paraitinga
O circo marca presença na 10º edição da Festa do Saci, divertida festa popular que ocorre em São Luiz do Paraitinga (a 175 quilômetros da cidade de São Paulo) até 3 de novembro. Nesta edição, as atrações incluem espetáculos tanto de companhias catarinenses como paulistas.
Família Burg
Em 26/10, a Família Burg, de Campinas, encerrou às 15h00 as atividades circenses na programação, com o espetáculo “Incantésimo”. Nele, dois artistas náufragos encontram em terra firme um teatro abandonado. Nesse momento eles recriam personagens de contos de fada. “Foi com grande satisfação que recebemos a notícia de que integraríamos a Festa do Saci, nossa primeira apresentação na cidade”, comentou a atriz Joana Piza, uma das artistas do elenco.
A Cia Pé de Vento, de Florianópolis, abriu a programação em 23/10. O responsável por toda a graça foi o ator espanhol Pepe Nuñez, que convidou o público a participar de suas cenas no espetáculo “Bom Apetite”.
A trupe de Ribeirão Preto, Os Profiçççionais, fez graça com o espetáculo “Parô! Palhaçada” em 25/10. O espetáculo apresentou os palhaços Tiba, Ching Ling e Manteiguinha e mostrou números acrobáticos e de malabares.
Festa do Saci
Tradicional na cidade de São Luiz do Paraitinga, a Festa do Saci é um evento cultural que abrange variados tipos de arte, como música, teatro, circo, dança, artesanato, literatura. É realizada há dez anos, no mês de outubro, como uma contraposição ao Halloween (festa originária dos países de cultura inglesa) em 31 de outubro, data em que se comemora, no Brasil, o Dia Nacional do Saci.
O público conhece atrações como o show de lançamento do CD “Brasil Viola”, de Moreno Overá, ouve a contação de histórias dos autores Ditão Virgílio e Geraldo Tartaruga, assiste a um filme no CineSaci e anda de bicicleta em um passeio Saciclístico.
Programe-se
26 de outubro – Sexta
20h30 – Teatro de Bonecos “Casos e Cascudos” com a Cia. da Tribo
Local: Praça Dr. Oswaldo Cruz
21h00 – Show com Grupo Encanto de Cordas
Local: Capela das Mercês
27 de outubro – Sábado
11h00 – Oficina de Máscaras e Bonecos de Argila com Benito Campos e Geraldo Tartaruga
Local: Praça Dr. Oswaldo Cruz
14h00 – Show de Lançamento do CD “Brasil Viola”, de Moreno Overá
Local: Coreto Elpídio dos Santos
14h30 – Bate-papo com o músico e compositor Chico Saraiva – Tema ”Processo Composicional”
Local: Antigo Prédio da Telefônica
15h00 – Contação de histórias com Geraldo Tartaruga e Ditão Virgílio
Local: Coretinho Antônio Nicolau de Toledo
15h30 – Lançamento do livro “Mitologia Brasilica”, de Mouzar Benedito e Ohi
Local: Largo das Mercês
16h30 – Show com o grupo Pererê
Local: Coreto Elpídio dos Santos
17h30 – Passeio Saciclístico
Local da saída: Praça Dr. Oswaldo Cruz
18h00 – Show com a Cia. Tempo de Brincar
Local: Coretinho Antônio Nicolau de Toledo
19h30 – CineSaci – Danda o mão pelada e a Sacizaiada
Local: Coretinho Antônio Nicolau de Toledo
20h00 – Teatro Navalha na Liga com a Cia. da Palavra (maiores de 16 anos)
Local: Antigo Prédio da Telefônica
20h30 – Show com Chico Saraiva e Verônica Ferriani
Local: Coreto Elpídio dos Santos
22h30 – Show com Fabiana Cozza e Banda
Local: Coreto Elpídio dos Santos
28 de outubro – Domingo
10h00 – Brincadeiras e Bolo do Saci
Local: Praça Dr. Oswaldo Cruz
11h00 – Passeio Saciclístico
Local de saída: Praça Dr. Oswaldo Cruz
03 de novembro – Sábado
21h00 – Saciata com o Bloco do Saci
Local de saída: Camping do Saci
(Bruna Galvão)
Belo texto, e muita criatividade! Parabéns, Bruna!