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História de amor em lona no campo de batalha
Musical inventa enredo para músicas do balé e disco “O Grande Circo Místico”, de Chico Buarque e Edu Lobo, dos anos 80.
Mônica Rodrigues da Costa, especial para Panis & Circus*
Para os fãs do gênero musical, “O Grande Circo Místico” é um espetáculo e tanto. Tem enredo cheio de ações, que duram no palco duas horas e meia.
Suas belas canções comentam a vida dos personagens: a bailarina e domadora de cavalos; o jovem médico da arquibancada que ama a bailarina; o palhaço-clown de coração partido pela moça; o dono do Circo Knieps cuja missão é manter o picadeiro em funcionamento.
Mais funâmbulos, dançarinos, trapezistas e acrobatas se apresentam no circo. Seu nome se deve à Mulher Barbada (Ana Baird), vidente meio hippie, meio kitsch, de barbas, que prevê de forma certeira o destino dos clientes em um cenário cheio de brilhos e objetos.
Na montagem, há várias tramas – organizam-se como quadros de musical, que entram e saem do palco – e por isso há mais protagonistas, como o dono do Circo Knieps (Fernando Eiras) e a Mulher Barbada, que também tem sua história, assim como a noiva vilã do médico.
Acrobacia em clima de demolição
A guerra desmantela o circo. Em efeito impactante, a cenografia de hospitais e destruição se confunde com a do picadeiro e os números acrobáticos são executados nesse clima de demolição.
Os amantes são separados.
O circo parte.
O médico vira soldado, deixando, sem saber, Beatriz grávida de gêmeos.
Frederico estava comprometido com Charlote (Isabel Lobo) e a avassaladora paixão por Beatriz é vingada pela malvada.
Fernando Eiras cresce em cena como o dono do show. Personagem e ator aos poucos se transformam. Do alegre e bem-sucedido administrador para o louco deprimido pela guerra e finalmente tornando-se o quixotesco sonhador que ergue de novo a lona.
As atrações circenses são exibidas sobrepostas, ao fundo ou compondo a trama e a cena, integradas à coreografia de 17 atores, enquanto os espectadores conhecem, em narrativa simultânea, a história de amor entre a bailarina Beatriz (Letícia Colin) e o médico Frederico (Gabriel Stauffer), da cidade onde a lona se armou.
A dança da bailarina domadora
São competentes os quadros musicais. O público fica paralisado ao ouvir as composições “O Circo Místico” ou “Beatriz”, momento em que a bailarina domadora dança entre os atores que representam os cavalos e faz acrobacias coreografadas:
“Olha, será que ela é moça,/ Será que ela é triste,/ Será que é o contrário,/ Será que é pintura/ o rosto da atriz […] /E se ela só decora o seu papel/ E se eu pudesse entrar na sua vida // Olha, será que é de louça, será que é de éter, Será que é loucura,/ Será que é cenário/ A casa da atriz […] /Olha, será que é uma estrela,/ Será que é mentira,/ Será que é comédia,/ Será que é divina/ A vida da atriz,/ Se ela um dia despencar do céu/ E se os pagantes exigirem bis,/ E se um arcanjo passar o chapéu/ E se eu pudesse entrar na sua vida…”.
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O elenco representa artistas que interpretam artistas que não existem. Duplicidade delimitada nas letras e também pelos signos audiovisuais da montagem, como ocorre com a sobreposição de três gêneros no espetáculo: o circense de atrações, o drama que conta a si próprio e os quadros musicais.
Conforme todo melodrama do picadeiro, “O Grande Circo Místico” tem final feliz. Os dramaturgos Newton Moreno e Alessandro Toller criaram a dramaturgia e João Fonseca dirige o espetáculo.
Eles montaram um melodrama que era usual se ver na segunda parte do espetáculo até os anos 60 nos circos nacionais.
Espetáculo fica em cartaz até 28/9
“O Grande Circo Místico” estreou em 8/8 no Theatro Net SP e fica em cartaz até 28/9. O musical é baseado nas músicas de “O Grande Circo Místico” (1983), de Chico Buarque e Edu Lobo, feitas para o Ballet Teatro Guaíra (1982). Há canções com letras e instrumental, executadas ao vivo pelo elenco e cinco músicos no fundo do palco.
O trabalho atual cria o enredo a partir das canções do disco. Buarque e Lobo partiam do poema “O Grande Circo Místico” (1938), do poeta alagoano Jorge de Lima (1893-1953).
As músicas de Chico e Edu Lobo suspendem as cenas e os atores cantam sozinhos, em solos, ou em coro.
As canções entram como no musical tradicional, em que o ator para o que faz e passa a cantar letras que comentam a trama.
Há composições como “Opereta do Casamento”, “Ciranda da Bailarina”, “A História de Lily Braun”, “Na Carreira”.
Os autores da dramaturgia e o diretor acrescentaram outras quatro composições de Chico Buarque e Edu Lobo: “Abandono”, “Valsa Brasileira”, “Salmo” e “Acalanto”.
Palhaço-clown charlatão
O palhaço charlatão (Reiner Tenente) comove a arquibancada. Sua canção diz que seu coração de pano ri da boca para fora (mas ele é engraçado):
“A nova atração
Tem um jovem coração
Que, apertado por estreito laço,
Amanhece partido.
Dentro dele sai mais um palhaço,
Que é um palhaço com um olhar caído”.
Impossível não associar essa história de amor perdido, do tristonho clown, ao ouvir “Sobre Todas as Coisas”, interpretada com mestria por Gilberto Gil no disco original. Gil canta:
Pelo amor de Deus,/ Não vê que isso é pecado/ Desprezar quem lhe quer bem,/Não vê que Deus até fica zangado/ Vendo alguém/ Abandonado, pelo amor, de Deus./Ao nosso Senhor/ Pergunte se ele produziu/ Nas trevas o esplendor/Se tudo foi criado/ – O macho, a fêmea, o bicho, a flor -,/ Criado pra adorar o criador/E se o criador/ Inventou a criatura/ Por favor, se do barro fez alguém/ Com tanto amor/ Para amar, nosso Senhor./Não, nosso Senhor/ Não há de ter lançado em movimento terra e céu,/Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel/ Pra circular em torno ao criador./Ou será que o Deus/ Que criou nosso desejo/ É tão cruel,/ Mostra os vales onde jorram o leite e o mel/ e esses vales são de Deus.
Sem entrar nos assuntos do apuro técnico e da construção poética, esse poema-canção, tal como a linguagem misturada do circo, realiza uma operação híbrida e irônica entre o amor a Deus e a expressão invocadora “pelo amor de Deus!” ao falar de um amor não correspondido.
Expertise
O currículo dos integrantes do espetáculo trazem referências da cultura pop e erudita, como é o caso da formação do diretor musical, e o mundo do palhaço e da bailarina está misturados com performance, teatro, dança, circo e espetáculos pop musicais, que são o hit do momento.
Entre outros trabalhos, Newton Moreno integrou “As Centenárias”, “Jacinta”, “Agreste”, “Maria do Caritó”.
João Fonseca participou dos sucessos “Tim Maia”, “Cazuza”, “Rock in Rio”, “Gota d’Água” (2008), “Oui Oui, a França é Aqui” (2009) e “Opereta Carioca” (2010).
Letícia Colin trabalhou em “Hair”, “Como Vencer na Vida sem Fazer Força” e “O Despertar da Primavera”.
O diretor musical Ernani Maletta trabalhou em “Gota d’Água”, com Gabriel Villela.
Leonardo Senna, que fez a consultoria circense e está no elenco, é coreógrafo da Companhia de Circo e Dança de Helsinque (Finlândia). Senna integrou a Intrépida Trupe por 12 anos, que representa um dos pilares do circo novo como linguagem cênica e performática.
O cenógrafo Nello Marrese participou de “Rock in Rio – O Musical” e “Tim Maia – Vale Tudo”.
A figurinista Carol Lobato foi indicada ao prêmio Cesgranrio por “Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz”.
O iluminador Luiz Paulo Nenen foi indicado aos atuais prêmios Shell, APTR e Cesgranrio por “Incêndios”.
A coreógrafa Tania Nardini integrou “Rent”, “O Fantasma da Ópera”, “A Bela e a Fera”, “Chicago”, “My Fair Lady”, “Evita”, “O Rei e Eu”, “Priscilla, Rainha do Deserto” e “Cambaio” (2001).
* Mônica Rodrigues da Costa é jornalista, poeta e editora de livros da Publifolhinha, da Folha de S.Paulo
Ficha técnica
Músicas de Edu Lobo & Chico Buarque. Texto: Newton Moreno e Alessandro Toller. Direção: João Fonseca. Direção musical: Ernani Maletta. Coreografia: Tania Nardini. Elenco: Fernando Eiras, Letícia Colin, Gabriel Stauffer, Isabel Lobo, Ana Baird, Reiner Tenente, Paula Flaibann, Marcelo Nogueira, Thadeu Torres, Felipe Habib, Leonardo Senna, Juliana Medella, Leo Abel, Natasha Jascalevich, Luciana Pandolfo, Renan Mattos e Douglas Ramalho. Iluminação: Luiz Paulo Nenen. Figurinos: Carol Lobato
Cenários: Nello Marrese. Direção de movimento circense: Leonardo Senna. Diretora-assistente: Paula Sandroni. Desenho de som: Fernando Lauria. Direção de produção: Maria Siman. Produção-executiva: Luciano Marcelo e Bruna Ayres. Gerente de projetos: Paula Salles. Produtora-associada: Isabel Lobo. Realização: Primeira Página Produções Culturais.
Serviço
Em cartaz no Theatro Net SP, de quinta a sábado, às 21h. Domingos, às 19h. Ingressos: Plateia: R$ 150; Balcão nobre: R$ 100; Balcão: R$ 50. Duração: 180 minutos. Classificação: 12 anos. Endereço: rua Olimpíadas, 360, shopping Vila Olímpia, 5º piso, tel. (11) 4003-121).
Links
Link para o disco “O Grande Circo Místico”:
https://www.youtube.com/watch?
Postagem – Alyne Albuquerque
Tags: Chico Buarque, Circo Knieps, Edu Lobo, O Grande Circo Místico
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