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Segunda-feira: 4 de março de 2019
Folha de S. Paulo: Sem carta branca
Opinião
Recuo na nomeação de Ilona Szabó e intervenção de Bolsonaro na Previdência mostram os limites dos poderes de Moro e Guedes, supostos superministros
No episódio em que o governo convidou e desconvidou a especialista em segurança pública Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, o que chama a atenção de mais imediato é o grau de estupidez das hordas bolsonaristas mais radicais.
Colunista desta Folha e crítica de teses pró-flexibilização de posse e porte de armas, a pesquisadora foi chamada pelo ministro Sergio Moro, da Justiça, a compor um colegiado de funções meramente consultivas, na condição de suplente.
A escolha suscitou uma corrente de ataques de militantes direitistas nas redes sociais, à qual não ficou alheio, tudo indica, o presidente da República. Após um dia de alarido, Moro voltou atrás.
“Diante da repercussão negativa em alguns segmentos, optou-se por revogar a nomeação, o que foi previamente comunicado à nomeada e a quem o ministério respeitosamente apresenta escusas”, relatou uma nota oficial.
Não surpreendem, infelizmente, o sectarismo e a agressividade de comunidades digitais, fenômeno que também se observa à esquerda. Mais preocupante é que a demonização da divergência se estenda a condutas de governo.
O caso contribui, ademais, para desmistificar a condição de superministro atribuída a Moro desde a formação da equipe do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Evidente que o ex-juiz da Lava Jato, dada a sua reputação, tende a dispor de autonomia superior à média observada entre os colegas de primeiro escalão. Isso não significa carta branca —ou o poder de agir sem levar em conta as conveniências políticas do governo, mesmo as mais comezinhas.
O mesmo se pode dizer do titular da Economia, Paulo Guedes, também cercado da aura de superpoderoso. Na semana passada, ele passou pelo dissabor de acompanhar pela imprensa declarações de Bolsonaro indicando recuos na proposta de reforma da Previdência.
Conforme se noticiou, a entrevista concedida pelo presidente irritou o ministro e levou preocupação também à ala militar do Executivo. Nesses setores se fala em tentar limitar as manifestações públicas do chefe, a fim de evitar constrangimentos e dificuldades políticas. O plano não soa promissor.
A ideia de um mandatário voluntariamente tutelado por nomes de excelência técnica pode parecer sedutora —o próprio Bolsonaro a estimulou, em particular no caso de Guedes, seu “posto Ipiranga”, que tornou sua candidatura mais palatável a boa parte das elites intelectual e econômica do país.
Trata-se de uma ilusão, porém, imaginar que se possam delegar tão facilmente os poderes e as responsabilidades do presidente. Afinal, neófito e despreparado, foi ele quem obteve quase 58 milhões de votos há apenas quatro meses.
Segunda-feira: 4 de março de 2019 Folha –
O Jair é isso, Moro
Na hora em que abrir vaga no Supremo, a Ilona pode ser o senhor
Artigo de Celso Rocha de Barros*
A cientista política Ilona Szabó é uma especialista respeitada na área de segurança pública. Ao contrário do ministro do Meio Ambiente e da ministra dos Direitos Humanos, seus diplomas são de verdade, ela foi lá na faculdade, estudou, passou na prova, recebeu o título.
Seu currículo justifica sua nomeação para uma suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Mas suspeito que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, também a tenha nomeado para testar quanta autonomia, de fato, ele tinha.
Se foi isso, descobriu.
O superministro Moro não tem autonomia para nomear, para a suplência de um conselho consultivo, alguém de quem os seguidores do presidente da República no Twitter não gostem.
Szabó durou muito menos no cargo do que Murilo Resende Ferreira, indicado pelo ministro da Educação para organizar o Enem. Ferreira foi acusado de plagiar um texto de extrema-direita sobre “Escola de Frankfurt e feiura”. É até difícil saber o que era pior, ser de extrema-direita, ser plágio, ou ser sobre “Escola de Frankfurt e feiura”.
Mesmo depois das acusações, Ferreira foi realocado em outro cargo, ao contrário do que aconteceu com Szabó.
E contra ele não houve uma insurreição virtual como a da semana passada. Bolsonaro não o demitiu no dia seguinte às acusações, porque, afinal, pelo menos o texto plagiado era de extrema-direita. O trabalho original de Szabó não é.
O Jair é isso, Moro. Não vai mudar.
Suspeito que Sergio Moro, como muita gente que votou em Bolsonaro, tenha comprado a ideia de que o Jair era um político normal, que faria um governo de direita normal. Não é.
Na semana passada, Jair elogiou o ex-ditador pedófilo do Paraguai. O ministro da Educação tentou implementar um projeto de culto ao líder nas escolas. Vetaram a nomeação de Ilona Szabó.
Tudo isso em cinco dias.
Se as coisas não pareciam estar indo nessa direção até agora, era porque o Jair estava de licença médica.
Coisas que parecem bizarras em um presidente democrata fazem todo sentido em um ditador. Em várias ditaduras membros da família do ditador fazem o papel de instituições de governo.
Bolsonaro não tem ideia sobre como negociar com o Congresso, mas vocês têm certeza de que ele quer negociar com o Congresso? O purismo que se manifestou no caso Szabó é bizarro para um gestor de nosso presidencialismo de coalizão, mas em movimento fascista é a regra.
Para contraste: a esta altura do governo Lula, empresários e fazendeiros ocupavam posições chave no ministério. Palocci havia chamado a turma liberal do “Agenda Perdida” para sua equipe na Fazenda. O presidente do Banco Central era um deputado eleito pelo PSDB.
Fernando Henrique Cardoso nomeou como ministro da Cultura Francisco Weffort, um dos maiores intelectuais petistas.
Não, não é porque PT e PSDB fossem todos comunistas. É porque ambos disputavam a política democraticamente, e tinham todo interesse do mundo em conquistar eleitores do outro lado.
Não são esses os planos do chefe, ministro.
Por fim, um aviso. O senhor topa aderir ao programa “Viktor Orbán” de Bolsonaro? O senhor topa acobertar as picaretagens dos bolsonaristas, discriminar minorias, perseguir adversários do governo?
Se não topar, cuidado. Porque na hora em que abrir vaga no STF, a Ilona pode ser o senhor.
*Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).