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O misterioso palhaço de Bergman

Morte. À espreita, nessa meditação sobre vida, amor e arte / Foto Divulgação

Sai o DVD do filme “Na presença de um palhaço”, do diretor sueco, informa o Estadão. 
Luiz Zanin Oricchio    
`“Oficialmente”, Ingmar Bergman parou de filmar com Fanny & Alexander (1982), tocante e genial evocação de sua infância. No entanto, continuou seu trabalho, até praticamente o fim, em 2007, tanto no teatro como em obras destinadas à TV sueca. Na presença de Um Palhaço (1997) é uma delas, lançada agora pela Versátil. O DVD vem acompanhado de um extra de luxo, um longo making of (quase uma hora), que nos dá oportunidade de ver o mestre em ação, dirigindo seus atores. 

Na Presença de Um Palhaço começa em 1925 num hospital psiquiátrico, onde está internado Carl Akerblom, acusado de haver espancado a noiva, Pauline (Marie Richardson). Na instituição, ele faz amizade com Osvald Vogler (Erland Josephson) e ambos decidem colocar em pé um projetoa tido por delirante – fazer o primeiro filme sonoro da história. A data é importante. Em 1925, o cinema era novo e mudo.O Cantor de Jazz, tido como primeiro filme com falas e canto sincronizados, viria a público em 1927. 

O expediente da dupla Akerblom e Vogler é engenhoso. O filme rodado por eles é projetado numa tela, de maneira convencional. Atrás dela, atores e atrizes dizem as falas dos seus personagens e tocam piano quando a cena exige. A história imaginada remete ao final da vida do compositor Franz Schubert, apaixonado por uma prostituta e descobrindo-se portador de sífilis. 

Obviamente, a morte espreita essa meditação sobre a vida, o amor e a arte. Ela toma o formato de um misterioso palhaço branco, que aparece em determinadas ocasiões. No making of, Bergman explica que, na infância, os palhaços de circo o aterrorizavam. Sonhava com esse palhaço branco que, para ele, significava a morte de maneira bem concreta.

Mas o filme é, basicamente, uma reflexão afetiva em torno do cinema e do teatro, as duas artes exercidas por Bergman. O teatro foi sua primeira e última paixão. Na verdade, acompanhou-o ao longo da vida. Com o cinema, começou como roteirista até estrear em 1945, com Crise. Com o cinema, conheceu o ápice do seu reconhecimento internacional, pois arte da reprodutibilidade técnica, é ele que viaja e não o teatro. Ao morrer em 2007, Bergman foi saudado como um dos grandes criadores do século. Como falar dos anos 1900 sem lembrar obras como Morangos Silvestres, O Sétimo Selo, Persona, Gritos e Sussurros, Cenas de Um Casamento e tantos outros? 

No entanto, sentia-se em casa no universo do teatro. Já no final de Fanny & Alexander declara seu amor a esse mundo acolhedor, quase uterino, ao qual iria voltar e se recolher, depois de achar que não tinha mais condições físicas para dirigir um filme. É do diálogo entre essa arte nova do século 20 (formalizada, pelos irmãos Lumière, em 1895) e a ancestral arte da representação que Bergman tira sua força única. Por isso, não surpreende o espectador atento o desenvolvimento de Na Presença de Um Palhaço, quando se constata que, na falência da técnica, a velha arte da representação pode ser exercida, com toda sua plenitude, mesmo em suas formas mais simples. 

Se em sua lucidez, Bergman não via nenhuma saída para o destino trágico do homem, era sempre pela arte que encontrava, se não uma reconciliação, pelo menos uma fresta de esperança. Pequeno clarão, a iluminar a farsa trágica de Na Presença de Um Palhaço.

A primeira coisa que surpreende no making of é a presença de um Bergman ágil no set. Com 80 anos, nada tem de um ancião. Locomove-se com rapidez e chega a dar uma corrida para mostrar como desejava que certa cena fosse feita. Mais do que demonstrações de agilidade física, o que se vê nesse bastidor é um diretor em plena posse de sua velocidade mental, exigente e dotado de grande senso de humor.” 

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