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Palhaço francês lança o livro “O atormentador” no Brasil
NATÁLIA PORTINARI
Um dos professores de atuação mais requisitados de todo o mundo, o francês Phillippe Gaulier diz que é impossível identificar seu “estilo” de ensino nos alunos mais famosos, como Sacha Baron Cohen, o britânico de “Borat” (2006).
“Eu dou liberdade. Não dou um estilo. O professor não deve te ensinar a ser uma estrela”, afirma, em entrevista à Folha. Longe de acreditar que consegue transformar qualquer um em bom ator, Gaulier repudia –e ofende– seus alunos menos engraçados ou expressivos.
“Você tem que ser especial. Se você faz algo que qualquer um consegue fazer, você é um merda. Você tem que fazer algo especial se quiser existir. Senão você só sai copiando ou outros por aí”, afirma.
De passagem pelo Brasil, Gaulier deu um curso de teatro em abril no Sesc Santana, em São Paulo, aproveitando para lançar em português seu livro sobre as aulas que ministra desde 1980 na sua escola, na França.
Quase cego de um olho, ele se expressa com gestos lentos, voz aguda e um ruído característico na garganta. Além de dar respostas evasivas a todas as perguntas da reportagem, fica pouco entusiasmado em discutir o humor da televisão contemporânea ou do cinema americano. Não se importa, em suma.
É discípulo de Jacques Lecoq (1921-1999), um dos primeiros a popularizar a escola do “clown”, a arte do palhaço. “Lecoq era muito autoritário”, dispensa Gaulier. “Os seus alunos tinham que ter o estilo dele.”
Apesar de ser conhecido como palhaço por sua origem e pela sua escola, Gaulier na verdade se identifica mais como “bouffon”, um tipo razinza e irônico, que ele associa com a irreverência das reivindicações das minorias nos anos 1960 em Paris.
“O ‘bouffon’ é o judeu, o anão, o homossexual, aquele para quem apontaram o dedo com escárnio. Essas pessoas voltam, através do humor, para dizer o que seus agressores merecem ouvir”, define o professor de 73 anos.
Os seus alunos podem, em suas concorridas oficinas, buscar um palhaço ou um “bouffon” dentro de si. Cabe a cada um descobrir seu “espírito” no humor. Exceto se forem alemães ou nórdicos, povos sem graça nenhuma, na análise de Gaulier.
Os colegas também sofrem o seu escrutínio. A reportagem pergunta, por exemplo, qual a sua relação com outros professores de teatro na França. “Não dou a menor merda para os outros professores”, responde Gaulier, gerando risadas dos presentes.
“Algumas pessoas me perguntam do [Konstantin] Stanislavsky” –professor de teatro russo. “Estou de saco cheio dele, acho ele um completo idiota. Estou me fodendo.”
Lee Strasberg, o inventor do “Método” de atuação celebrado em Hollywood, é outro idiota “entediante “.
Mesmo com esse estilo irônico e agressivo, Gaulier continua sendo o preferido de atores de alto escalão do teatro britânico, como Emma Thompson e Kathryn Hunter, que vão a Paris soltar seus “palhaços” –ou “bouffons”– em suas aulas.
O Atormentador |
Philippe Gaulier |
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“Se você é ruim, não digo que você é bom. Digo que você é realmente ruim. Mas é bom ser ruim. Tem que ser ruim para descobrir algo. Você pode se permitir isso. Não precisa pedir a ajuda de um psicólogo.”
Em seu livro, Gaulier entrevista a si mesmo e registra alguns dos exercícios que usa em aula. Chega a se ofender com as próprias perguntas e brigar com seu alter ego, o “atormentador”.
O ATORMENTADOR
AUTOR Philippe Gaulier
EDITORA Sesc Edições
QUANTO R$ 60 (240 págs.)