Arte em Movimento
Rapsódia Sertaneja encanta
Bell Bacampos, da Redação
“Bom dia, compadres e comadres, padrinhos e afilhados”, cumprimenta o público o maestro João Maurício Galindo após interpretar um trecho de A Lenda do Caboclo, de Heitor Villa- Lobos. Segundo o maestro, essa música mostra “como o grande compositor era fascinado pelo universo caipira. Sempre que podia fazia as malas e embarcava no Trenzinho Caipira e viajava para se inspirar nos ‘causos’ e melodias que ia encontrando e ouvia sertão adentro”. E isso não acontecia só com ele. Muitos outros compositores, entre eles, os eruditos, se encantaram com a cultura caipira – que sempre sofreu preconceitos mas nem por isso deixou de dar seus frutos”.
E o maestro convidou o público do Aprendiz de Maestro, presente na Sala São Paulo, em 16 de junho, às 11 horas, para colher alguns desses frutos em um verdadeiro arraial musical – mistura de modas, lendas, costumes e melodias – tudo em um grande angu ou como dizem os sérios eruditos numa rapsódia: uma Rapsódia Sertaneja.
Surge nesse momento a cantora Sheila Negro que interpreta Amanheceu, peguei a viola, música de autoria de Renato Teixeira, e encanta a plateia.
Para o maestro, essa canção é muito conhecida e não há festa junina em que ela não seja tocada. “Aliás, as festas juninas surgiram em razão do costume de celebrar a época mais importante do ano: a colheita de frutos. É uma época que tem muita festa e, se tem festa, tem cantoria. E sempre foi assim desde que o mundo é mundo”. E acrescenta: “nas festas da colheita na Grécia Antiga, as façanhas dos deuses eram contadas e acompanhadas por um instrumento de corda, a lira. Mais tarde, na Idade Média, os menestréis entretinham a população com um instrumento de corda, o alaúde. Aqui, no sertão do Brasil, é a mesma coisa. É só juntar os peões em volta de uma fogueira que já aparecem os cantadores contando os causos e pontilhando a viola”.
E o grupo de cantantes convidado do Aprendiz, que está ao lado da Sinfonieta TUCCA Fortíssima, entoa Boi Soberano, música de Tião Carreiro e Pardinho. A dupla se conheceu, em 1954, no Circo Rapa Rapa, em Pirajuí (SP), e juntou numa parceria considerada uma das mais importantes da música sertaneja de raiz.
“O Boi Soberano não pode vir e pediu mil desculpas. Ele teve que acudir uma vaca que foi para o brejo”, afirma a Galinácea, papel da atriz Luciana Ramanzini, que entra em cena na Sala São Paulo. E acrescenta que “quem não tem boi caça com galinácea. E, por isso, que eu vim, essa humilde galinácea, cantar nesse poleiro tão sacudido”.
O maestro João Galindo assegura que ela não precisa ficar preocupada porque os “os compositores Tião Carreiro e Pardinho iam explodir de orgulho de ter sua música cantada por uma galinácea tão importante: Galicita Barroso”. Trata-se de uma brincadeira feita pelo maestro em homenagem a Inezita Barroso (1925-2015), considerada a dama da música caipira, e que comandava o programa “Viola, minha viola”, na TV Cultura.
Satisfeita com a aprovação do maestro, Galinácea diz que o bom mesmo é ter uma dupla caipira para cantar e, por isso, pede licença para chamar uma figura importantíssima: ela que é boneca, mas não é dondoca. Ela, Emília, a Marquesa de Rabicó”.
Emília entra na sala e diz que veio chocoalhando em um camarrão – apelido dado a bondes.
O maestro afirma que a dona Marquesa fez muito bem em vir até a Sala São Paulo e que o bonde camarão é mesmo um meio de transporte esquisito. “Mas o condutor desse bonde é um velho conhecido nosso. Foi ele quem impediu que a cultura caipira minguasse engolida pelas modernidades: o compadre Cornélio Pires”, afirma o maestro João Maurício. Cornélio Pires criou o grupo “Os Caipiras de Cornélio”, com Jararaca e Ratinho, Mandi e Sorocabinha, o palhaço Ferrinho, a dupla Caçula e Mariano, entre outros, e foi cantar por esse mundão velho sem porteira.
Cornélio Pires foi quem gravou o primeiro disco de música caipira do Brasil e enfrentou muita resistência por causa do preconceito. Quando ele chegou à gravadora, a turma de lá falou assim: “Mas quem é quer vai querer pagar para escutar uma dupla de jecas?”. “E sabe o que o Cornélio fez?”, pergunta o maestro.
Emília, a Marquesa de Rabicó, responde: “enfiou a viola no saco e picou a mula para esquecer”.
Maestro: “Nada disso, dona Marquesa. Ele juntou todo dinheiro que tinha e pagou do próprio bolso a primeira gravação de música caipira do Brasil [Jorginho Sertão, em disco de 78 rotações]. E o resto é história, é causo, é colheita”.
Em meio às cantorias sertanejas, os bailarinos da Escola Gisele Bellot ganham aplausos com seus passos e volteios.
O maestro também contou o causo da guarania, gênero de música dos mais queridos da cultura caipira, resultante do encontro de duas culturas, a do índio e a do branco. Ou seja, a simplicidade indígena misturada à mania do europeu de fazer drama fez surgir um ritmo novo.
Após a fala do maestro, é tocada Índia, versão brasileira de sucesso paraguaio, e que se imortalizou na voz da dupla caipira Cascatinha e Inhana. [Gal Costa também gravou o LP Índia, com a música, em 1973, e que fez muito sucesso].
João Galindo conta, na sequência, que o canto dos pássaros inhambuxororó e inhambuxintã inspirou a letra e a música de um clássico da música sertaneja: Chitãozinho e Xororó (nome que mais tarde batizaria uma a dupla sertaneja que ficou famosa).
O maestro fala também da viola caipira e como ela é perfeita para acompanhar o cururu – que é um gênero de música que lembra o dos repentistas do Nordeste. E a letra da música conta sempre uma história, como é o caso de O Menino da Porteira, legítimo representante do cururu, e sucesso na voz da dupla Tonico e Tinoco e do cantor Sérgio Reis. E acabou virando filme.
Depois dos passáros e de O Menino da Porteira, o Aprendiz passa à canção A Majestade, o Sabiá, de Roberta Miranda.
O maestro acrescenta que a música sertaneja não tem só ramificações populares mas também galhos eruditos como os dos compositores Heitor Villa-Lobos, Camargo Guarnieri e Edmundo Villani-Cortes.
E, por fim, o maestro diz que “agora estamos chegando na síntese da apresentação – O Baile da Roça” em que a cantoria é misturada a dança e alegra as crianças e os adultos na Sala São Paulo.
Alimento para alma
Elisa Hidalgo, que nasceu em Tatuí, interior de São Paulo, e mora hoje na capital, e seu filho Eliseu (10), gostaram muito da Rapsódia Sertaneja. “Foi um encontro com a música sertaneja de raiz que cresci escutando”, afirma Elisa. Já Eliseu diz ter se divertido com as histórias da Galinácea e de Emília. Uma festa. Mas reclamou que, às vezes, não dava para escutar direito o que elas diziam.
Para Ana Cristina Bonati foi uma viagem divertida no Trenzinho Caipira parando para escutar Amanheceu peguei a Viola. “Belezura: alimento para a alma da gente”.
Ficha técnica:
Elenco: Maestro João Maurício Galindo, Luciana Ramanzini, Mariana Elizabetsky e Sinfonieta TUCCA Fortíssima
Participações especiais: Bailarinos da Escola Gisele Bellot, Cláudia Fier, Iasmin, Lucas Torneze, Márcio Pivotto, Maria Simões, Olivinho, Sheila Negro e Zebba Dal Farra
Texto e direção: Paulo Rogério Lopes
Direção geral e produção: Ângela Dória
Assistente de Direção e Figurinos: Suzana Rebelo
Arranjos e Assistente Musical: Natan Badue
Aprendiz de Maestro – música pela cura
Aprendiz de Maestro é a série de espetáculos infantis do projeto Música pela Cura. É a única série nacional de música clássica para crianças que apresenta orquestra, teatro, circo, balé e muita diversão. A TUCCA reverte toda a renda da bilheteria para o tratamento de crianças e adolescentes com câncer.
Panis & Circus apoia o Aprendiz de Maestro.