Arte em Movimento
Salto alto no arame e nudez em cima do piano
“Cantina”, que é um cabaré, pode ser descrito como “circo noir”
“Circo noir” é a melhor tradução para “Cantina”, do grupo australiano Strut & Fret. O espetáculo traz números de equilíbrio, mágica, acrobacia e dança, adaptados do melhor do “vaudeville”.
Aliás, “Cantina” pode ganhar vários significados em diversas culturas: de adega a restaurante, de loja a clube noturno. Aqui em São Paulo, na apresentação da talentosa trupe australiana, o ambiente cenográfico era o de um cabaré.
Ao som de música ao vivo, tocada por instrumentos antiquados, os cinco artistas atuaram em um pequeno palco muito próximo do público sentado em cadeiras.
Arremesso de moça
No começo do espetáculo, a artista Chelsea McGuffin anda no arame de salto alto prateado, cabelos loiros curtos , com um vestido em tons avermelhados, acompanhada de seu parceiro, Daniel Catlow, vestido com terno caramelo e flor vermelha na lapela.
Do equilíbrio em salto alto no fio pula-se para a acrobacia solo da artista no chão, vestida com um corpete e shorts claros.
“Arremesso da Moça” sintetizaria o nome do número, apresentado por um trio formado por dois homens (David Carberry e Daniel Catlow) de terno e colete e uma mulher (Chelsea McGuffin) de corpete preto com calça curta bordô. Eles a jogam pelos ares e pegam Chelsea no último minuto antes que ela bata no chão. Não se sabe se brigam por ela ou se querem apenas demonstrar a força de seus músculos.
Luzes em cima do piano. Lá, aparece o artista Mozes, vestido com uma cueca clara, camiseta sem mangas, fita vermelha no pescoço, meias e sapato marrons. Imagem irônica. Nesses trajes, que lembram os maiôs masculinos do fim dos anos 20, ele começa a se despir para fazer seu número de mágica. Mostra ao público que não esconde nada nos bolsos – o que seria impossível já que está nu – exceto por seu sexo coberto pela capa e contracapa dobradas de um jornal. (Quando a reportagem do Panis & Circus viu “Cantina”, em 11/05, a capa e contracapa eram da “Folha de S.Paulo” e, apesar de o palco ser próximo ao público, não deu para ler a manchete do jornal.)
Mozes começa a rasgar o jornal em pequenos pedaços, e, claro, perde o tapa-sexo midiático. Num passe de mágica, o inesperado causa uma surpresa: a capa da “Folha” volta a ficar inteira e a cobrir o torso do artista.
Os limites da fantasia e da realidade ficam esfumaçados. É hora de a luz adquirir um tom azulado e de a bailarina e seu companheiro deslizarem no palco. Os gestos acrobáticos são suaves e escondem a exigência de força, equilíbrio e treino. Muito treino.
Chega de ser sentimental. Novo casal em cena. A mulher pisa nas costas do parceiro, estendido no chão, com salto alto preto. Ele está com um shorts curto que parece uma cueca. Os dois fazem acrobacias no palco, com movimentos que misturam as dores e os prazeres dos amores.
Dores de amores
“Cantina” adiciona um toque moderno às rotinas clássicas do circo. Depois de ficar nu, Mozes surge vestido de terno e assegura à plateia que o zíper de sua calça está fechado. É colocado uma venda em seus olhos e, em cima dela, um capuz preto. De olhos fechados, ele rodopia, em ritmo veloz, preso pelo pescoço. Arrisca o pescoço literalmente.
Em cima do piano, há cinco garrafas de vinho. Quem bebeu? Não se sabe, elas estão vazias, de pontas-cabeça, e a dançarina tenta andar sobre elas. Falha na primeira vez. Sucesso na segunda.
Pausa para a música cantada por Daniel Catlhow e tocada por Trent Arkleysmith.
“Dança Apache”
Na cadência de som com toques de tango, surge a “Dança Apache” – que é traduzida na Wikipédia pelos movimentos da rotina difícil da rua parisiense nos anos 20. Alguns dizem que é a reencenação de uma disputa entre um cafetão e uma prostituta, outros a veem como uma briga de amantes.
De maiô preto, a mulher (Chelsea Mc Guffin) dança de forma acrobática, entre tapas e beijos, com seu companheiro (David Carberry). Em dado momento, ela quebra uma bandeja na cabeça dele.
Após esse duelo gestual, aparece o casal romântico, sob luz azulada, que executa com precisão o “mano a mano” e o equilíbrio em pequenas barras — número feito ao lado de cacos de vidros no chão, nos quais a bailarina pisa sem dó. O efeito na plateia provoca um “oh!”.
Ágil e ardiloso, o espetáculo, em seus primeiros momentos, é puro circo: engraçado e com rigor técnico. Aos poucos, engata outra marcha e vai para o “noir”: “circo noir”. Cada um dos artistas dessa talentosa trupe revela uma habilidade especial em um show sombriamente sedutor, embalado por música, muita música. Ao final, eles se despedem dançando o cancã.
McGuffin, uma das diretoras e também artista em cena, afirma em entrevista à imprensa estrangeira que o começo do espetáculo é bem parecido com um espetáculo do circo: “Divertido e leve”. Na sequência de “Cantina”, completa a artista e diretora, os movimentos deixam de ser tão leves, suaves. “É quase como se você começasse a conhecer os cinco personagens nos bastidores ou estivesse sentado em um bar com eles e passasse a ver suas paixões”.
Com a sua miscelânea de corda, equilíbrio, contorcionismo, mágica, música ao vivo e até patins, “Cantina” tenta dar nova modelagem à forma conhecida do cabaré.
Como acontece com todos os circos autênticos, “Cantina” gira sobre a emoção de risco. Há um perigo físico real aos olhos do público, que pode ver e sentir ainda mais por sua proximidade do palco.
Cadê o Circo Zanni?
Ao final do espetáculo, Verônica Tamaoki, coordenadora do Centro de Memória do Circo, contou que gostou do espetáculo, que se destaca por buscar o novo no tradicional, ao estilo do Zanni. Aliás, Verônica questiona: “Como Circos – o 1º Festival Internacional do Sesc de Circo, não incluiu o Zanni?” A artista circense Cassia Teobaldo faz coro: cadê o Zanni?
Cantina
Direção: Chelsea McGuffin
Scott Maidment
Elenco e cocriação:
Chelsea McGuffin
Mozes
David Carberry
Daniel Catlow
Músico
Trent Arkleysmith
Clique aqui para acessar o site de Srut & Fret
Postagem: Alyne Albuquerque
Tags: Cantina, Chelsea McGuffin, circo noir, Daniel Catlow, David Carberry, Mozes, Scott Maidment, Strut & Fret, Trent Arkleysmith
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