Comentários
Teatro encena o circo nos detalhes
Circo é tema de teatro político
“A Última História”, do Grupo 59 de Teatro, é um musical que explora também as linguagens do circo e do teatro para contar a história de um pobre circo, com famílias de artistas que compõem os números do espetáculo da companhia.
Um palhaço, uma circense matriarca e outros personagens, como a madame, uma equilibrista e dois irmãos gêmeos lutam para salvar o picadeiro, ameaçado de ser despejado do terreno onde se instalou na cidade grande.
O proprietário do lote é uma entidade impessoal e cruel que a todo momento é invocada, mas permanece na gélida distância entre as classes sociais popular e industrial-aristocrática.
Um elenco afinado e competente entoa e encena o drama político dos circenses em cheque. Para piorar a situação, o palhaço da trupe morre e a companhia cuida de uma menina enjeitada, portadora de deficiência, que é a personagem mais engraçada do espetáculo. O público vibra com seus gestos marotos de mentir e fazer palhaçadas. Até o diabo ri.
Os atores cantam à capela a história do risco de despejo que vivem, o que se entrelaça com os números arriscados do circo. Desse modo, a direção, de Tiche Vianna, traça a sina dos artistas de teatro no Brasil.
O grupo usa poucos instrumentos musicais, mas com precisão. A direção musical é de Marcelo Onofri, que executa um solo vigoroso no piano como se fosse uma narrativa sobreposta aos diálogos. Muitas vezes alguns personagens se distanciam das cenas para contar ao público determinados acontecimentos.
A linguagem do teatro se destaca, em especial, a comédia, e o tema do circo toma à frente – metáfora que representa toda arte na montagem – com lirismo, um pouco com saudosismo, um pouco como evocação às peças medievais populares, com um elã que só a arte brasileira tem: a potência de criar na precariedade e usá-la como signo eficaz.
Ver a peça resulta na sensação de que fazemos uma viagem no trem do humor explorado no aspecto sobrenatural contido nos cordéis nacionais.
Deus permite que o espírito ou fantasma do palhaço volte à terra para ajudar sua trupe a não ser despejada. Muitas gagues giram em torno da conversa dos personagens com o palhaço invisível.
A fábula “A Última História” lembra os contos didático-filosóficos de Jean-Paul Sartre (1905-1980) como “A Prostituta Respeitosa” (1946) ou “A Infância de Um Chefe” (1939). Não tem moral da história nem final feliz.
O circo luta pela permanência da cultura e o capitalismo, simbolizado pela indústria, passa o trator no terreno.
Nota-se um sincretismo no desenrolar das cenas, que fingem que são números que são cenas. Todos os personagens pertencem ao circo, a atiradora de facas, a contorcionista, o velho mágico, o apresentador (mestre de cerimônias), o anão.
A caricatura e o excepcional estão na vitrine, com pitadas do realismo irônico de Dostoiévski (1821-1881) do conto “O Crocodilo” (1865) ou o distanciamento, igualmente irônico, de Tchécov (1860-1904), como na peça “Malefícios do Tabaco” (1886).
“A Última História” é inspirada no prólogo de “A Fábula dos Saltimbancos”, de Michael Ende (1929-1995), com dramaturgia de Tiche Vianna.
A montagem é plasticamente bem-cuidada. Assina a direção de iluminação e figurino, respectivamente, Gabriel Greghi e Antônio Apolinário e o Grupo 59 de Teatro. O painel do circo foi pintado por Patrícia Biagarelli.
Os números de palhaços ficam evidentes no espetáculo e se destaca a atriz Gabriela Cerqueira, no papel do anjo, que é o palhaço que sempre se dá mal, mas não pode reclamar porque é um anjo disfarçado, que desceu do céu com o palhaço para ajudar a salvar o circo.
As cenas são híbridas, deixam entrever o número a número da ordenação circense e a sintaxe do teatro, da comédia, do teatro de variedades e do melodrama.
O jovem grupo também leva ao palco a peça “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá”, com direção de Cristiane Paoli Quito e a mesma sofisticação estética de “A Última História”. O grupo também tem em repertório “Mockinpó – Estudo sobre um Homem Comum”, dirigido por Claudia Schapira.
Serviço
Em cartaz no Teatro Alfredo Mesquita até 21/04. Duração: 80 minutos. Indicado para maiores de 12 anos. Horários: sexta e sábado, às 21h00, e domingo, às 19h00. Endereço: Avenida Santos Dumont, 1.770, Santana.
Entre aqui no link
Ficha técnica
Direção e Dramaturgia: Tiche Vianna. Direção musical, composição e arranjos: Marcelo Onofri. Direção de arte: Antônio Apolinário. Iluminação: Gabriel Greghi. Figurino: Antônio Apolinário e Grupo 59 de Teatro. Preparação para canto: Andrea Kaiser e Marcelo Onofri. Arte e pintura do painel do circo: Patrícia Bigarelli. Design gráfico: Thomas Huszar, Felipe Gomes Moreira e Nathália Resende. Cartaz de cena: Sergio Coloto. Cenotécnica: Nilton Ruiz Dias. Adereços: Rafael Rios. Perucas: Jane Fernandes. Costureiras: Ilza da Silva Santos e Silvana de Carvalho. Produção: Grupo 59 de Teatro. Elenco do Grupo 59 de Teatro (2011): Carol Faria; Felipe Alves; Felipe Gomes Moreira; Fernando Vicente; Gabriel Bodstein; Gabriela Cerqueira; Jane Fernandes; Mirian Blanco; Nathália Ernesto; Nilcéia Vicente; Renata Lobbo; Ricardo Fialho; Thomas Huszar. Músico: Marcelo Onofri (piano).
(Mônica Rodrigues da Costa)
Tags: A Última História, espetáculo sobre circo, Grupo 59 de Teatro, monica rodrigues da costa
EXCELENTE TEXTO. PARABÉNS AOS GUERREIROS DO GRUPO 59 DE TEATRO.
[…] Para ler a crítica no site da Panis & Circus, clique aqui: https://www.panisecircus.com.br/teatro-encena-o-circo-nos-detalhes/ […]