RIO – “Renato Ferreira, o palhaço Topetão, de 43 anos, nasceu e foi criado em Vigário Geral, lugar de onde tirou muitas de suas histórias. De lá também levou valores dos quais não abre mão e que multiplica nas suas músicas, livros, histórias e shows. Para os picadeiros e palcos, esse palhaço de topete azul leva a sua experiência.
(Globo) Conte algo que não sei
(Topetão) Como pode um garoto sair de Vigário Geral e conseguir rodar o mundo e dar emprego para um montão de gente? Vigário Geral é uma favela simbólica por tudo que aconteceu. Eu era fascinado pela Folia de Reis e, na chacina, mataram todo mundo. Na Folia tinha um palhaço que me encantava. Ali começou a minha história com a arte. Saí de Vigário Geral e fiz um percurso totalmente fora do normal.
Como nasceu o palhaço?
O Topetão foi um processo. Comecei primeiro fazendo teatro no Calouste Gulbenkian e fui para a Escola Nacional de Circo, onde comecei a experimentar o que tinha visto quando era criança. Depois viajei o mundo inteiro fazendo circo. Tudo que conquistei foi muito por conta da leitura. Tive uma formação um pouco diferente dos meus amigos de Vigário Geral.
Na infância, você embrulhava frangos num galinheiro. A sua história é de fazer rir ou chorar?
É para rir. Tive infância muito pobre, mas minha família era muito rica em sabedoria. Meu pai era analfabeto e dizia: “Renato, o que faz a diferença é ler e saber ler. Tire proveito disso.” O galinheiro foi importante para a minha formação. Trabalhei lá dos 8 aos 14 anos. Eu lia os jornais que os porteiros traziam da Zona Sul para a gente embrulhar os frangos. Lia o Segundo Caderno, o Zuenir Ventura, o Veríssimo.
Você já era um palhaço na escola?
Eu era inquieto e muito alegre. Meus professores me adoravam. Não tinha tanta facilidade porque zoava muito. Mas eu era do tipo carinhoso. Eu já tinha essa ideia de resgatar quem era discriminado por ser gordinho, por ser mais delicado…
Como suas palhaçadas o levaram aos picadeiros europeus?
Assim que eu me formei, com 19 anos, chegaram à Escola Nacional de Circo uma brasileira e um alemão. Nesse dia, eu estava esperando para fazer um teste, mas a pessoa não veio. Estava indo embora quando esse casal apareceu. Três meses depois, eles voltaram ao Brasil e a gente mostrou a nossa proposta. Eles adoraram. Percebi que aquela era a oportunidade de tirar minha família da favela.
Sua companhia, a Upleon, exporta artistas do Rio para a Europa. Como ela funciona?
Eu, minha sócia Olga Dalsenter e mais dois amigos criamos a Upleon, que já tem 23 anos. Hoje são 80 artistas de circo viajando pela Suécia, Alemanha e Finlândia para espetáculos em parques e em navios. A maioria dos artistas vem de projetos sociais. Eles todos têm casa, têm carro.
Qual é a magia dos meninos do Rio?
A mágica dos nossos artistas é a facilidade do humor, de fazer rir. A gente se entrega ao personagem. Os europeus têm boa técnica, porque têm boa escola de preparação, mas a coisa lá é muito fria. O segundo trunfo é a capacidade de fazer um espetáculo colorido e alegre.
O Topetão hoje tem um circo para chamar de seu?
Eu tenho um circo que roda o Rio de Janeiro todo. Eu também levo o meu espetáculo para o Brasil inteiro. Eu educo os pais a lidar com as crianças. Nos shows, eu trago o pai para o palco e pergunto: “Você ensinou seu filho a andar de bicicleta?” E boto o pai para andar numa bicicletinha pequenininha. Eu faço os pais pensarem, porque as crianças querem essa participação, querem que ele olhe o caderno, ensine a andar de bicicleta.