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Um palhaço negro

 

Ailton Graça / Foto O Globo

 

 

Sucesso como a cabeleireira Xana Summer, Ailton Graça fala de suas referências de artistas negros como o palhaço Benjamim de Oliveira

Natalia Castro, da Revista da TV  

RIO – O aniversário de 50 anos foi em 9 de setembro. E, embora a festa não tenha acontecido na ocasião, Aílton Graça não quer que a chegada da nova idade passe em branco de jeito nenhum.

— Estou planejando uma comemoração. Acho que é uma data importantíssima. Sou negro, sobrevivente, vencedor. E chegar aos 50 consolidando uma história é motivo de orgulho — reflete o ator, que faz sucesso como Xana Summer, de “Império” (novela da TV Globo), em tom bem-humorado.

Aílton é assim, um otimista nato. Difícil vê-lo sem um sorriso no rosto ou num momento de baixo astral. Devoto de São Jorge e de Nossa Senhora Aparecida, o ator cita a letra da música “São Jorge”, de Kiko Dinucci, na voz de Juçara Marçal, para exemplificar sua filosofia de vida: “Com um sorriso derrubo uma tropa inteira/mesmo que na dianteira uma sombra venha me seguir”.

— Eu tenho excesso de otimismo, sempre fui assim, mesmo na época das vacas magras, dos perrengues. Eu sempre acho que tenho que enfrentar essa realidade toda com um sorriso no rosto — afirma.

Criado na região de Americanópolis, na periferia de São Paulo, Aílton teve uma infância pobre, mas cheia de referências. Da família, baiana, herdou a paixão pela música e pelas festas populares, principalmente o carnaval, pelo qual é apaixonado. Com samba no pé e malemolência, já deu expediente como passista e mestre-sala no desfile de São Paulo. Até hoje, é amigo de carnavalescos e adora visitar barracões para ficar a par de tudo o que acontece nesse universo. Mangueirense “doente”, deve a paixão à escola de samba carioca ao humorista Mussum (1941-1994), a quem assistia quando criança.

— Ele falava das princesas e rainhas da Mangueira, eu acreditava que existia um palácio no morro, e toda a comunidade se reunia em barracões verde e rosa, e que a Mangueira era um grande quilombo, um lugar mágico para onde eu iria — recorda-se o ator.

A primeira vez que cruzou a Marquês de Sapucaí foi ao lado da cantora Alcione, e o desfile, ele conta, o fez se debulhar em lágrimas de tanta emoção. Este ano, além da Mangueira, ele desfila pela Salgueiro — por conta da amizade com Viviane Araújo, a rainha de bateria da agremiação —, pela Viradouro, que fará uma homenagem aos negros, e pela Portela. Nesta última, virá caracterizado como Madame Satã, outro motivo de orgulho.

— Vai ser um grande homenagem à epoca de ouro da Lapa, onde tanto Madame Satã quanto Xana fizeram carreira, e uma oportunidade de mostrar ao povo a importância destes grandes transformistas, grandes artistas que são o espetáculo em si, estudam muito. É uma bela homenagem — empolga-se.

OS PODERES DE XANA SUMMER

Tudo que envolve Xana envolve também o ator. Imerso no universo do cabeleireiro de “Império”, Aílton se sente como vencendo um grande desafio:

— Ele é o homossexual ou não, o negro e o gordo. Três frentes num mesmo personagem. E, ao mesmo tempo, não levanta bandeiras, mas tem uma representatividade por si só. Xana transcende e entra nos lares por ser essa figura.

Para Aílton, o grande atestado do carisma de Xana vem das ruas. Outro dia, ele conta, foi parado por um senhor, que o surpreendeu com sua atitude.

— Ele disse que sempre foi homofóbico, que odiava viado, mas que meu personagem o estava fazendo mudar de concepção. E aí a mulher dele me deu um abraço — relata o ator. — Quando vejo pessoas hiperconservadoras torcendo por um casamento entre Xana e Naná, isso me deixa muito, mas muito feliz. Estão ligando para o afeto, para o amor, e não somente para o gênero.

Na trama, Xana Summer é o simpático cabeleireiro, dono de salão em Santa Teresa e conselheiro do pessoal do bairro. Amigo íntimo de Naná (Viviane Araújo), vive uma relação dúbia com a manicure.

— Talvez ele seja bissexual. Não acho que o ciúme que ele tem de Naná é de amiga, mas ciúme de alma gêmea, e ele não consegue trabalhar bem isso. Xana não quer perdê-la, dorme de conchinha. Eu, como espectador, acho que rola alguma coisa ali. Além disso, Naná é uma das poucas a chamá-lo pelo nome, Adalberto. Ela conhece o lado másculo dele — analisa.

A intensidade dos conflitos de Xana foi o que mais chamou a atenção do ator ao aceitar o papel na trama de Aguinaldo Silva. Desde que estreou nas novelas, como o popular Feitosa de “América” (2005), Aílton vem procurando “chafurdar no universo da alma humana”.

— Quero desafios. Conflitos, personagens que não sejam en passant, isso não me interessa — enfatiza ele.

Aílton começou a trabalhar na TV graças à participação no longa “Carandiru” (2003) e, consequentemente, na série “Carandiru, outras histórias” (2005). Não parou mais. Só nos últimos anos, fez o Silas de “Avenida Brasil” (2012), o Quirino de “Flor do Caribe” (2013) e o delegado Lopes na série “O caçador”, exibida em 2014. Ele jura que não se incomoda. Aílton conta que não é daquele tipo que precisa ficar meses se despedindo do personagem.

— Eu gosto de trabalhar, né? Gosto dessa rapidez, de fazer várias coisas, de sair do personagem. Acho que com Xana terei mais dificuldade — observa ele, contando que gosta de “estender o tapete vermelho” para toda a equipe, dos apoiadores ao diretor. — O trabalho de pesquisa é solo, mas o resto é composição em equipe.

Aílton Graça – Michel Filho / Agência O Globo

A PAIXÃO POR SÃO PAULO

Apesar do trabalho intenso no Rio, o ator não abre mão de viver em São Paulo, onde divide a casa com a mulher, a também atriz Kátia Naiane. Os dois são casados desde 1999, e se conheceram durante aulas de balé folclórico.

— Antes de começar um trabalho, aviso que não abro mão do meu fim de semana. Nunca brigo por nada, mas preciso da minha passagem de volta (risos), preciso estar bem comigo, respirar na minha casinha, conversar, passear, estar com meu porto-seguro — conta.

Em São Paulo, também, o ator administra dois restaurantes: o Estilo 711, na Avenida dos Bandeirantes, e o Zucca, em Cidade Monções. E faz questão de receber as pessoas em cada um deles.

— Quem for lá vai me encontrar na porta, recebendo as pessoas, recepcionando. É bom que forma fila (risos) — brinca ele, falando que os dois investimentos foram um “desejo de sobrevivência”. — Você nunca sabe quando as vacas magras vão bater à sua porta.

Antes do êxito na carreira, Aílton trabalhou como camelô, vendedor de calçados e fiscal de lotação. Precisava de dinheiro para desenvolver seus dotes artísticos e pagar a pensão do filho, Vinicius, de 24 anos, com quem mantém uma relação próxima.

SEMPRE EM BUSCA DE REFERÊNCIAS

No circo, fez oficinas de “clown” e já divertiu muita plateia como o Palhaço Gibi ou como Junior JR. Foi lá, ainda, que soube da existência de Benjamin de Oliveira (1870-1954), mais uma de suas referências:

— A primeira vez que vi um negro fazendo comédia foi o Grande Otelo, e depois o Benjamin. Até então não sabia que existia palhaço negro — diz.

Desde criança, Aílton é interessado em saber mais sobre os ícones da cultura negra, no Brasil e no mundo. Além de samba, é fã de James Brown, Earth, Wind and Fire, Jackson Five e Tony Tornado, Tim Maia, Jair Rodrigues, Martinho da Vila, Gilberto Gil e Sidney Poitier (“Acho que ‘Ao mestre com carinho’ é o filme que mais vi na vida”, conta), entre outros:

— Sempre senti falta de referências. Nasci numa periferia, num período político conturbado dentro do país, mas ainda assim a minha vontade de ascender artisticamente sempre foi legítima. Acho que, além da educação escolar, a acadêmica, sinto falta de ver a cultura popular sendo ensinada nas escolas. Na última eleição fiquei muito chocado, pois nenhum dos candidatos tocou nessa questão. E que orgulho é ver o Obama (Barack Obama, atual presidente dos Estados Unidos) comandando pela segunda vez consecutiva uma nação. Não quero levantar bandeira de militância, não, é procurar referência para nossa educação e identificação cultural e artística.

Hoje em dia, é o ator quem fica feliz sendo referência para quem deseja seguir a carreira. Por isso, faz toda essa questão de estar sempre acessível. Seja no restaurante, seja visitando comunidades carentes.

— Gosto de ouvir os desejos artísticos dos jovens. — afirma ele. — É muito importante saber disso, por isso que faço questão de manter meu diálogo com as pessoas, vou a áreas consideradas perigosas, hospitais. Eu sou uma pessoa que venceu, claro, mas ainda tenho muito mais a realizar.

ORGANIZADO, FÃ DE CHURRASCO E FUTEBOL

Para manter a vida do jeito que ela é, Aílton não abre mão de atividades triviais. Adora ir ao supermercado e curtir um churrasquinho com os amigos, de preferência, acompanhado de uma roda de samba. Já a cerveja, essa ele dispensa:

— Sempre fui viciado em esporte, mas nunca fui de beber. Já experimentei cerveja e não gosto. Não curto o samba com copo na mão, gosto mesmo de cantar e dançar. É no samba que aprendo sobre a minha gente, meu povo. E não posso me distrair com bebida, eu tenho que estar atento (risos).

Virgiano, também é disciplinado com suas coisas e muito cuidadoso com o que possui. O guarda-roupa, conta, é impecável. As camisas são organizadas por cor e marca, assim como as meias e cuecas.

— Quando quero pensar, tiro tudo e organizo de novo (risos). E mesmo na bagunça eu consigo me achar — avisa.

E quando Aílton extravasa? Quando está no estádio, no meio da torcida, vendo o Corinthians, seu time do coração, jogar.

— Afinal, sou nascido e criado em São Paulo, e torço por um time muito popular, que já começou a invadir o Rio. Vou ao estádio para brigar, xingar. E gosto de ir ao Centro de Treinamento conversar com técnico, reclamar com os jogadores (risos). Vou mesmo — entrega.

Embora atualmente seja apenas um torcedor apaixonado, Aílton conta que sempre foi muito bom de bola.

— Claro que jogo, dou aula (risos). Minha posição é como lateral e meia-atacante. Não é lenda, quer dizer… Agora é! (risos).

 

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