Arte em Movimento
Vitória de Grillo nas eleições surpreende Itália
Jornal informa que clown italiano provoca “tsunami” nas eleições na Itália e que o palhaço político Tiririca “perde o sorriso” e não vai se candidatar à reeleição
Por Ivy Fernandes, de Roma
O “Financial Times”, jornal inglês que é uma das mais conceituadas publicações de notícias no mundo, compara o palhaço Tiririca, “eleito deputado federal, em 2010, pelo PR/SP, com 1,35 milhão de votos – mais do que o dobro do segundo colocado –, ao comediante italiano Beppe Grillo, cujo partido acaba de ganhar 25% das cadeiras do Parlamento do seu país nas eleições do domingo (24/02)”.
Segundo o “Financial Times”, o palhaço-político brasileiro “perdeu seu sorriso” nos corredores do Congresso Nacional ao constatar que os parlamentares passam horas fazendo discursos, muitas vezes para um plenário vazio, e faltam com frequência às votações.
Tiririca foi eleito um dos 25 melhores políticos do Brasil em 2012 pelo site Congresso em Foco. Nunca falta às sessões do Congresso e disse ao “Panis & Circus”, em entrevista exclusiva que não vai se candidatar à reeleição.
Leia a reportagem do “Financial Times” aqui.
Grillo causa “tsunami”
Na Itália, o resultado das urnas de Beppe Grillo, nas eleições de fevereiro para mudança do Parlamento, representa um “tsunami”. Esse resultado não era esperado nem mesmo pelo Movimento 5 Stelle (Movimento 5 Estrelas), M5S, de Grillo.
No Senado, o Movimento conseguiu eleger 54 senadores com votos de 23,79 % do total de eleitores; e na Câmara elegeu 108 deputados com 25,55% dos votos. Desse modo, o M5S se tornou a maior agremiação política da Itália.
A vitória foi obtida “sem dinheiro, porque não recebemos ajuda do governo, sem participação em programas de TV e sem estrutura de partido, como tinham os outros candidatos”, declarou Grillo, na manhã de 26/02, após saber o resultado das urnas.
Beppe Grillo é um dos mais brilhantes cômicos italianos, tem uma trajetória de quase 40 anos na TV e no teatro. Transforma-se agora no maior fenômeno da política europeia e a surpresa das eleições italianas de 24 e 25 de fevereiro, quando 50 milhões de eleitores, incluindo os três milhões de italianos que vivem e votam no exterior, foram às urnas para eleger o próximo Parlamento.
O resultado foi o maior choque político dos últimos tempos e neste momento a Itália encontra-se numa encruzilhada, com dificuldade de formar um governo devido à mínima diferença, especialmente, no Senado, entre o Partido Democrático (PD), que reúne coligações de esquerda, de Luigi Bersani, que elegeu 117 senadores contra os 116 do Partido pelo Povo da Liberdade (PDL), coligação de centro direita que apoia o ex-ministro Silvio Berslusconi.
A coligação liderada pelo PD ganhou a maioria na Câmara, mas não alcançou números de votos suficientes no Senado. Para formar um governo, a partir de 20 de março, quando o novo Parlamento se instalará, Bersani estendeu as mãos para Grillo. Ele não quis saber de acordo e disse que seus adversários “são mortos que caminham”.
Berlusconi ofereceu o acordo para montar o governo, um pacto com o partido de Bersani, mas, até agora, ele não se mostrou disposto a entrar no barco do ex-primeiro ministro, suspeito de estar envolvido em uma série de escândalos.
O “Tsunami Tour”, inventado por Grillo, atravessou a Itália, de norte a sul, para divulgar e envolver a população no “Movimento 5 Estrelas” (Movimento 5 Stelle; M5S).
Grillo conduziu seu ‘‘tour’’ como se fosse uma caravana de circo: mudou frequentemente de cidade, fez até três comícios por dia e conseguiu superlotar as praças da Itália, como a Piazza Del Duomo, em Milão, a Piazza Grande, de Bolonha, e a Piazza Del Castelo, em Turim.
Dario Fo dá seu apoio ao “Movimento5S”
A Piazza Del Duomo, em Milão, recebeu Dario Fo, de 88 anos, que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1997, e reuniu mais de 60 mil pessoas, em uma noite de frio intenso.
Dario Fo é um dos mais importantes autores de peças teatrais da Itália. Atua também como diretor, mímico, palhaço e caricaturista. Ele escreveu mais de 40 peças, e muitas delas mostram bobos da corte a fustigar o poder. Domingos Montagner, Fernando Sampaio e Fernando Paz encenaram “Mistero Buffo’’, de Dario Fo, em 2012, no Teatro do Sesi, na avenida Paulista. O espetáculo volta ao cartaz agora em 9 de março.
Veja link da do comentário da peça “Mistero Buffo” aqui.
O “Tsunami Tour” de Grillo terminou em Roma, em 24/02, na maior praça da capital, Piazza S. Giovani, na presença de 80 mil pessoas, muitas delas de regiões distantes como Sicília, Molise, Toscana, Lombardia e Vêneto.
Seu último show político teve cobertura internacional com a presença das redes de televisão alemã, BBC (inglesa), CNN e ABC (americanas), “France Televison”, “Alzajira”, e os jornais “Wall Street Journal”, “New York Times”, “Washington Post”, “Le Monde”, “Times” e “Guardian”.
Grillo não queria que os jornalistas italianos entrassem na área de imprensa, que o criticaram sem parar. Mas deixou de lado o assunto quando os jornais italianos chamaram a polícia e aí eles conseguiram assistir ao último comício, ao lado dos veículos estrangeiros. Bastava esse episódio para avaliar o peso do “Movimento 5 Estrelas” nessas eleições.
Campanha nas águas do Mediterrâneo
Grillo iniciou a campanha política da forma mais original que se possa imaginar e conseguiu imediatamente projeção
“Atravessei a nado o Estreito de Messina, são longos três quilômetros, e muitos apostavam no meu infarto. A água estava gelada, mas consegui superar essa prova e cheguei ao outro lado da Itália, na Sicília. Parti junto com o barco que faz a travessia e consegui chegar vinte minutos antes dele”, comenta Grillo dando risadas.
Com a vitória conseguida na temerária aventura siciliana, Beppe Grillo partiu com a força de um míssil para a conquista política.
Uma campanha política que superou obstáculos: inventou o “Tsunami Tour”, com seu “Movimento 5 Estrelas” e invadiu as eleições italianas. No palco, Grillo gritava verdades que o público conhecia, mas que queria ouvir. Nenhum político e suas correntes ideológicas escaparam de seu escrutínio: centro, esquerda, direita, fascistas, comunistas e os indecisos.
Os adversários? “São mortos que caminham”
Berlusconi, que Grillo chama de “nano” (anão), afirmou que não compareceu no último comício de seu partido, o PDL, em Nápoles, porque teve conjuntivite. “Não é verdade, ele teve medo, medo do M5E (M5S)”, afirma Grillo.
Os poderosos sindicatos italianos (CGIL, CILS e UIL) receberam sua dose de críticas: “são os responsáveis, ao lado dos partidos políticos, pelo total desequilíbrio do país”, afirmou Grillo.
O presidente da República, Giorgio Napolitano, de 88 anos, em final de mandato, também não escapou de Grillo. “No escândalo da roubalheira do Banco Monte Paschi di Siena, o mais antigo do mundo, eu esperava que o presidente da República reagisse com energia, batendo na mesa e pedindo esclarecimentos. E o que ele fez? Pediu ‘privacy’. Vergonha.”
O político e comediante acrescenta: “Agora o governo diz que vai colocar o ‘renditômetro’ (uma fórmula de medir os ganhos do cidadão e compará-los com seu padrão de vida) na pauta. Todos devem declarar o que fazem com o seu dinheiro. Não se pode mais pagar nada em ‘cash’ acima de 1.000 euros; o restante deve ser pago por cheque ou em bancos. É um absurdo. São os políticos que devem dizer ao povo o que fazem com o dinheiro público, como gastam esse dinheiro. E não o inverso. Depois de bilhões de euros desaparecidos ou roubados nas mãos dos políticos de todos os partidos – digo todos -, pergunto: ‘É o povo que tem de prestar contas?’.”
A multidão circunda Grillo e quer ouvir o que ele diz, aplaudir e participar do seu comício-espetáculo. Ele transformou a política em teatro e o comício virou “show”. Os adversários preferiram se refugiar nos estúdios das televisões, e, em lugar do espaço apertado dos comícios, ficar nos confortáveis palcos dos teatros.
Grillo se recusou a participar de todos os programas políticos de televisão, não concedeu entrevista a jornais italianos e deu poucas entrevistas, à rede Sky TV e ao “Wall Street Journal”. Foi o único candidato a enfrentar a praça com o contato direto com os eleitores.
É importante lembrar que estas eleições políticas foram as únicas feitas em pleno inverno (a data sempre cai durante a primavera-verão, em abril ou maio), mas o frio rigoroso não impediu o público de sair de casa, com chuva, vento, neve, temperatura abaixo de zero, para assistir aos comícios e participar do “tsunami” de Grillo.
De Grillo em Grillo
Giuseppe Piero Grillo, conhecido como Beppe Grillo, nasceu em Gênova em 21 de julho de 1948 e é o segundo filho do casal Piera e Enrico Grillo. A mãe dele era pianista e o pai tinha uma fábrica de metais (Cannelli Grillo, de Gênova). Com o diploma de contador, Grillo começou a frequentar a Faculdade de Economia e Comércio, que depois abandonou.
Descobriu seu talento de cômico em um monólogo, quando fez teste para um espetáculo. Em 1977, época em que tinha um número no Cabaret (bar) em Milão, foi notado pelo “âncora” da TV italiana, Pippo Baudo, que o contratou para participar do programa televisivo “Secondo Voi” (Segundo Vocês). A partir daí, a carreira do comediante deslanchou com uma série de sucessos em programas da RAI (TV italiana), como” Luna Park” e “Fantástico”.
No início dos anos 80 Grillo também falou do Brasil e dos Estados Unidos, na série de programas dedicados a sua experiência como turista: “Te la do io l’America” (1981) e “Te lo do io il Brasile” (1984). Nesses programas ele contava suas viagens feitas aos Estados Unidos e ao Brasil com piadas e estórias ligadas à cultura, ao estilo de vida e às belezas naturais dos países que visitou.
O idílio entre Grillo e a TV italiana terminou em 15 de novembro de 1985, quando, no show “Fantástico”, de sábado à noite, ele falou de Bettino Craxi, à época, o primeiro-ministro e chefe do Partido Socialista, durante a viagem presidencial à China.
“Bettino Craxi, na China, ficou admirado de ver a enorme população de chineses e o ministro do exterior, Claudio Martelli, comentou: “Mas, se aqui vivem um bilhão de chineses e são todos socialistas, a quem roubam?”.
Nos anos seguintes Grillo trabalhou no cinema, teatro, publicidade e pouco a pouco passou por uma metamorfose: desinteressou-se da vida artística e se interessou cada vez mais pela política, com críticas que embaraçavam políticos e empresários.
Em 8 de março de 2009, lançou seu movimento em Florença. Apresentou a “Carta de Firenze” e nela listou 5 temas ligados às questões ambiental e cívica. Era o primeiro passo para o Movimento 5 Estrelas, que hoje entrou definitivamente no panorama político italiano e europeu.
M5S: os 5 pontos do programa
1) Fim de reembolsos eleitorais aos partidos e introdução do “politômetro”, para medir se o que ganha o político é compatível com seu estilo de vida.
2) Fechamento da Equitalia (agência de recuperação de crédito e impostos do governo que levou muitas pessoas ao suicídio).
3) Banda larga e incentivos às energias renováveis.
4) Desempregados receberiam renda de 1.000 euros por mês.
5) Eliminação do imposto sobre a (primeira) casa denominado IMU, (que aumentou sensivelmente no governo Monti).
Sabino, da “Veja”, e Rossi, da “Folha”, analisam Grillo
Mario Sabino, em reportagem da “Veja”, edição de 06/03, intitulada “Uma Grande Palhaçada” afirma: “Grillo quer ser primeiro-ministro. Quer governar por meio de decisões populares tomadas via internet. Grillo quer sair da zona do euro. Grillo quer dar mesada a jovens desempregados. Grillo quer varrer do mapa os outros partidos. Grillo quer abolir os trens de alta velocidade. Antes das eleições, o comentarista Stefano Folli disse a Veja que Grillo poderia ser um elemento de muita turbulência, se seu partido chegasse a 18% na Câmara. Como conseguiu ainda mais cadeiras de deputados e uma quantidade respeitável de assentos no Senado, a turbulência virou tempestade” (…) “Peer Steinbrueck, adversário da chanceler Angela Merkel nas eleições de setembro”, disse que “a maioria dos italianos havia votado em dois palhaços”: Grillo e Berlusconi.
Leia íntegra da reportagem abaixo.
Clóvis Rossi, na “Folha de S.Paulo”, em 3/3/13, no artigo intitulado “Grillo, Revolução ou Bolha?” afirma:
“Não sei se as 5 Estrelas se apagarão logo ou de fato forçarão uma mudança na maneira como analisamos a política. Por enquanto, permanece o fato de que o que ocorreu na Itália tem uma dimensão extraordinária, com repercussões que claramente vão além deste país.
Primeiro, trata-se da primeira vez em que uma agrupação consegue se tornar a mais votada (considerados os partidos individualmente, não as coligações) em sua primeira experiência nas urnas, pelas contas de Alessandro Chiaramonte, da Universidade de Florença.
Há mais dados eloquentes: um em cada cinco jovens que votaram pela primeira vez o fez por Grillo.
O M5S foi o principal responsável por outro número impressionante: 16 milhões de eleitores mudaram de partido entre a eleição de 2008 e a de 2013, segundo pesquisa da empresa Manheimer.” (…)
Leia íntegra do artigo abaixo.
Fotos: Divulgação
Tags: Berlusconi, Grillo, Itália, tiririca