Arte em Movimento
Jornalista radicada na Itália mostra circo de Fellini
A paixão do cineasta Federico Fellini pelo circo é conhecida mundialmente e durou durante toda a sua movimentada vida.
Nas cinco entrevistas que realizei com esse cineasta italiano aqui em Roma para o jornal “O Globo” e a revista “Manchete”, de 1971 até poucos meses antes de sua morte, em 31 de outubro de 1993, o tema do circo voltou sempre, como uma recordação da infância que nunca se esquece.
Na estreia de seu filme “Clowns”, dedicado ao mundo do circo e produzido pela televisão italiana RAI TV, Fellini tinha muitas dúvidas sobre se participaria do evento com o documentário, de 45 minutos, que poderia não ser aceito pela crítica.
“Clowns” foi apresentado no Festival de Veneza em 1970, por isso, no final, Fellini decidiu não ir à Veneza.
“Há anos eu guardava uma secreta paixão pela vida do circo, a curiosidade de participar do ritual dos bastidores, onde bailarinas, trapezistas, domadores de leões, mágicos, acrobatas e especialmente os palhaços se preparam para entrar em cena.”
“As máscaras dos palhaços me atraíam desde quando eu era pequeno”, explicou Fellini durante nosso primeiro encontro, no célebre Estúdio 5 da Cinecitta’, quando preparava seu filme “Roma”.
Cineasta foge de casa para seguir o palhaço Pierino
A paixão de Fellini pelo mundo do circo começou quando, aos sete anos de idade, ele fugiu de casa, na cidadezinha balneária de Rimini, onde nasceu, em 20 de janeiro de 1920, e onde vivia, para seguir um palhaço que se chamava Pierino.
Aquele minúsculo universo debaixo da tenda enfeitado por luzes coloridas era para ele uma atração irresistível.
Bastidores de “Clowns”
Para realizar “Clowns”, disse Fellini: “Entrevistei, observei e até mesmo convivi, acompanhando por dias a vida cotidiana dos circenses, com uma das famílias tradicionais do circo italiano, os Orfei”.
“Filhos, netos e bisnetos dessa dinastia nasceram debaixo da lona. Houve um intercâmbio durante o período em que eu documentei a ‘vida’ do circo: levei os artistas circenses para visitar os estúdios da Cinecitta’, em Roma, onde eu trabalhava, para que tomassem conhecimento das filmagens e da montagem do documentário.”
“Meu objetivo era descrever minuciosamente o que se passava de fato debaixo da lona, quase sempre colorida de vermelho, que tem luzes de arco-íris e atrai o público, e mostrar a vida, os bastidores do circo, onde cada artista tem uma história fantástica e comovente para contar.”
Fellini afirmou que era importante para ele vivenciar a vida dos palhaços, como demonstra sua foto histórica, com o rosto pintado de palhaço, divulgada pela imprensa no lançamento de “Clowns”. (veja abaixo)
“Recolhi vários depoimentos de célebres palhaços, como Rhum, Footit, Chocolat, os irmãos Bario.”
“Tentei de todas as formas incluir também Charles Chaplin – que teve grande influência em minha carreira, mas ele não pode participar porque estava trabalhando, mas me enviou, para participar do documentário, sua filha Victoria”, disse Fellini, na ocasião.
O cineasta acrescentou ainda que filmou o documentário em várias cidades, da Itália e da França. “Em Paris, incluí também Picasso, outra máscara extraordinária que não podia faltar no meu filme.”
Fellini trabalhava sem um roteiro preciso e, durante as filmagens de “Clowns”, tinha sempre um caderno, com capa preta, e lá fazia anotações e desenhos, estudava a posição das luzes, escrevia a lista de objetos necessários para a cena.
Os artistas que trabalhavam com ele não tinham a menor ideia do que aconteceria durante as filmagens. Muito ciumento de seu trabalho, Fellini não mostrava as cenas filmadas a ninguém antes de ter um quadro completo do trabalho.
Hoje todos os seus desenhos, anotações, documentos, cartazes publicitários, fotografias de filmagens e, naturalmente, toda a sua filmografia, estão reunidos na Fundação Fellini, em Rimini, que vai ser transferida para uma nova sede.
Dentro de poucos meses poderá ser visitada.
Testemunho dos atores
Alguns atores que representaram personagens do mundo felliniano afirmaram que naquela época Fellini era tão envolvido com o mundo do circo que acabou entrando em cena incógnito e fantasiado, com o rosto pintado de palhaço, para “sentir na pele” a emoção que o palhaço transmitia ao público, principalmente às crianças.
Diante dos clowns, ele filmou com uma câmera escondida as reações naturais das pessoas durante apresentações circenses.
Viagem seguindo a lona
Fellini não se limitou a frequentar o circo, mas participou diretamente da vida dos grandes circos. Ele percorreu com sua equipe cidadezinhas de província, locais em que os circos pequenos e modestos armavam sua lona e onde o trapezista faz ao mesmo tempo o domador de leões, o palhaço e até mesmo veterinário dos animais.
São circos que sobrevivem com grande dificuldade, armando e desarmando a tenda a cada três ou quatro dias, viajando com a caravana por todo o interior da Itália.
Fellini e Salvador Dalí em retrospectiva
Fellini era muito popular na Europa e seu belo apartamento na Via Margutta, perto da famosa Piazza di Spagna, era sempre frequentado por grandes nomes da vida artística, como o pintor catalão Salvador Dalí , homenageado nesta primavera na Itália, com retrospectiva sobre sua obra, no Museu Vitoriano de Roma.
Um ângulo dessa exposição é dedicado aos encontros que Salvador Dalí manteve com Federico Fellini, registrados por meio de fotos, cartas, documentos, cartões postais e telegramas trocados entre eles.
Influência cada vez mais notada
Depois de quase 20 anos de sua morte, Fellini continua presente na vida artística mundial. As anotações do cineasta traduzem a ideia que ele tinha sobre os palhaços, que coincide perfeitamente com a descrição feita sobre o tema por Charles Chaplin: “Cada homem se apresenta ao mundo com a própria máscara e aparece de forma diversa para cada pessoa”.
Segundo Fellini, o mundo é uma grande arena onde os acontecimentos humanos são iluminados por um refletor. Depois apagam-se as luzes e eles caem na escuridão. Reaparecem novamente como num picadeiro do qual todos nós participamos.
por Ivy Fernandes, de Roma
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A Mônica divulgou esta matéria no Facebook e por lá mesmo comentei que em Curitiba, em 2008 ou 2009, se não me falha a memória, a Caixa Econômica Cultural expôs o circo de Fellini. Lindíssimo!
Isto de Fellini ser ciumento de seu trabalho achei bonitinho (hehe). Este cara é um gênio!
Deve ser interessante saber o que inclui essa exposição. Grata pela visita! : )
Fellini é um gênio, matéria esta muito bem escrita e o site cada vez mas interessante
Sou Fã de Fellini, coleciono seus filmes e o melhor filme sobre circo é o dele