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Escola lança livro sobre 30 anos de circo

 

José Wilson durante bate-papo no Sesc Santo André / Foto Asa Campos

 

José Wilson Moura Leite, fundador da Picadeiro e considerado um dos maiores circenses do país, narra a trajetória do circo-escola em parceira com o parlapatão Hugo Possolo 

 

Da Redação

A Picadeiro Escola de Circo completa 30 anos em 2014 e, em comemoração ao aniversário, lançará um livro narrado por seu fundador, José Wilson Moura Leite, conhecido também como Zé Wilson, e escrito pelo parlapatão Hugo Possolo.

Em entrevista ao site Panis & Circus, José Wilson afirma que se reuniu com Hugo Possolo na segunda semana de junho para se aconselhar e discutir como fazer o livro. Ainda que não tenha a formatação definida, ele assegura que vai destacar fatos que marcaram a trajetória da escola, como a fundação, em 1984, os famosos e anônimos que passaram por lá e formaram a Picadeiro e a retirada da lona da Cidade Jardim, na capital paulista, em 2006, após ter ficado por 22 anos no local.

Do Itaim Bibi, a Picadeiro mudou para Osasco, para a avenida Visconde de Nova Granada, nº 513, onde está até hoje.

 

José Wilson e Hugo Possolo no lançamento do livro do Ornitorrinco/ Foto Arquivo José Wilson

 

 

Shopping JK não quer saber de circo

Segundo José Wilson, o shopping JK, um dos mais chiques da cidade, estava sendo construído quando houve a desativação da escola Picadeiro no Itaim Bibi. “Eles não queriam que em suas costas estivesse uma escola de circo – preconceito contra uma arte popular”.

Segundo o circense, o circo teve de deixar a Praça do Povo, onde ficava, devido à pressão do shopping e de Andrea Matarazzo, à época secretário de Coordenação das Subprefeituras do Município de São Paulo. “Não deixa de ser irônico o nome da praça, já que o circo – representante da arte popular – foi despejado do local”, afirma Wilson.

 

Aula no Picadeiro Circo Escola / Foto Arquivo José Wilson

 

O Circo Picadeiro foi convidado, relembra José Wilson, a ocupar o terreno da Cidade Jardim em 1984, na época em que o ator e diretor Gianfrancesco Guarnieri era o secretário Municipal de Cultura de São Paulo (1983 a 1985) e o bairro não era considerado chique.

Em 2006, o secretário Andrea Matarazzo, também de descendência italiana e da reconhecida ‘‘nobreza’’ industrial, ordenou a retirada da lona do Circo Escola Picadeiro sob o argumento de que a escola tinha desvirtuado seus propósitos e passara a ser um bufê de festas infantis.

O preconceito contra o circo fica evidenciado também, no entender de José Wilson, porque o Teatro Vento Forte, que chegou à Cidade Jardim sete anos após a Picadeiro Escola de Circo, permanece no local. “Não precisou mudar”, diz o circense.  

O poder e o mundo do circo

Sobre a relação entre os governos e o circo, José Wilson é enfático ao dizer que “não existem políticas públicas para o circo”. Ele acredita que o governo federal é uma das piores instituições no apoio a essa arte. “O governo [federal] não acha que o circo é cultura. Para ele, só basta vender o ingresso e pronto. A Funarte (Fundação Nacional das Artes) é uma fachada. O Prêmio Carequinha (de responsabilidade da Funarte) é terrível. A Funarte só pagou em maio de 2013 o Prêmio Carequinha para o Circo, mais de seis meses depois que saiu”, desabafa Wilson.

O circense continua a complexa rememoração: “Isso porque fomos até a Funarte, no começo de maio, para pressionar. O Marcos Pereira, diretor da Funarte, quando a gente vai lá (ao Rio) para falar do circo, sempre diz: ‘Nós, o governo’ … Ao se colocar como ‘nós, o governo’, ele já estabelece a barreira e deixa claro que a arte circense não o comove ou o locomove a canto nenhum. Aliás, deve-se lembrar de que o Prêmio Carequinha para o Teatro não demorou a ser pago. Já o do Circo, só com pressão. A justificativa do diretor da Funarte foi a mais singela possível: ‘Tinha verba alocada para o Teatro’”, diz Wilson.

 

Picadeiro em momento de mudanças no circo

José Wilson, à esq., época em que era trapezista / Foto Arquivo JW

 

A Circo Escola Picadeiro surgiu em meio a um contexto de transformações do circo brasileiro, que não vivia seus melhores dias na década de 1980.

José Wilson conta que os motivos para a criação da escola foram a necessidade de profissionalizar jovens e adultos nas técnicas circenses e o fechamento, no ano anterior, da Escola Piolin, que, por cinco anos, foi a única escola no Brasil a ensinar a arte do circo. “Me uni a uma nova geração de circo e, com o apoio de alguns amigos, fundei a Picadeiro Circo Escola, a primeira a profissionalizar artistas circenses”, diz Wilson.

Ele relembra que surgiram dificuldades e que não foi fácil contorná-las de imediato. “Os três primeiros anos da escola foram muito difíceis. Eu não só não sabia gerir uma escola, como também quase não tive apoio dos setores públicos.” De acordo com o circense, especializado no ensino de acrobacias e aéreos (trapézio, principalmente) houve, somente um mínimo reconhecimento por parte da USP (Universidade de São Paulo), além do apoio do secretário de Cultura da cidade de São Paulo naqueles tempos, Gianfrancesco Guarnieri. 

 

Famosos falam da Picadeiro

Placa comemorativa pelos 20 anos da Picadeiro / Foto Asa Campos

 

Em 2004, Hugo Possolo e Raul Barretto, ex-alunos da Picadeiro, entregaram uma placa a José Wilson em comemoração aos 20 anos da escola e em razão da luta pela qualidade do circo brasileiro.

Nos anos 80, a possibilidade de ter uma aproximação com o circo por meio da escola Picadeiro foi uma notícia “estimulante para a classe de atores da geração de que fiz parte”, afirma o ator, palhaço e artista circense Domingos Montagner, em março, no site Globo Teatro. “Até então”, acrescenta, “a gente só podia aprender essa arte se entrasse para alguma companhia itinerante do país ou se nascesse em família circense. Era a primeira vez que tínhamos possibilidade de conhecer esse universo”.

Domingos conta que um dos mestres da Picadeiro era o Roger Avanzi, o palhaço Picolino. “Ele dava aulas de palhaço, mas era diferente dessas que a gente vê hoje, com a técnica europeia do clown. Ele ensinava o palhaço mesmo, da maneira como tinha aprendido com a família dele. A gente aprendia o tempo cômico, a fala, o andar. Era uma grande escola. Foi aí que vi no palhaço um caminho de ligação entre o lugar de onde eu estava vindo, que era o teatro, e o lugar para onde eu estava indo, que era o circo. Quando comecei a ter contato com esses dois universos, eu me apaixonei completamente. Foi assim que consegui minha realização artística e consolidei minha maneira de pensar o teatro.”

 

Fernando Sampaio, José Wilson e Domingos Montagner Foto/ Arquivo JW

 

Primeira sala de aula no Picadeiro

“A primeira ‘sala de aula’ a surgir em São Paulo foi no Circo Escola Picadeiro, fundado por José Wilson Leite – de família tradicional dos picadeiros”, diz o ator e diretor Jairo Mattos no Portal do Sesc.

“Havia na época um circo chamado Tenda Tela Teatro, todo branco, que fazia uns espetáculos baseados em Maiakóvski e que começou a trabalhar na periferia com o Zé Wilson, que era do Circo Royal. Eles contrataram o Zé para dar workshops semanais na Brasilândia, e todos íamos assistir às aulas lá. A ideia deu tão certo que José Wilson deixou o Royal para criar o Picadeiro Circo Escola.” Jairo Mattos acrescenta que o circo interceptou sua formação. “Eu saí do teatro, fui para o circo e só voltei para o teatro quase dez anos depois.”

Entre os grupos de destaque no mercado circense, que começaram as carreiras na escola circense da Cidade Jardim, estão o La Mínima, a cia. Pia Fraus, a cia. Nau de Ícaros, os Parlapatões, o Circo Acrobático Fratelli, Fractons e integrantes do Circo Zanni, como Maíra Campos e Erica Stoppel. 

Sem deixar de registrar que, no Teatro do Ornitorrinco, grupo de Cacá Rosset, os artistas misturavam teatro, música e circo. José Wilson era o diretor circense de muitos espetáculos, ao mesmo tempo em que tocava a escola Picadeiro. “Nas peças em que a parte circense era o forte, eu estava lá”, diz José Wilson. É o caso de “Sonho de uma Noite de Verão”, “Ubu” e “Doente Imaginário”.  

 

José Wilson de malha branca na peça "Ubu", de Cacá Rosset / Foto Arquivo José Wilson

 

 

Governos estaduais dão mais valor ao circo

Apesar de a mudança da sede da escola ter ocorrido por responsabilidade do então secretário Andrea Matarazzo, Wilson acredita que, naquele momento, os governos estaduais foram os que deram mais valor ao circo. “Os artistas da Picadeiro Circo Escola já foram falar com o governo paulista e foram ouvidos, mas o governo federal não nos escuta”, diz ele. “Nossa escola estar em São Paulo [Estado] é um fator determinante para que o governo estadual dê mais atenção ao circo [no Estado de São Paulo] do que o governo federal [na mesma região]”, conclui.

 

Os 29 anos de picadeiro

Um pouco da história da escola está contada em 25 fitas cassetes, acondicionadas em duas sacolas plásticas. Zé Wilson pretende selecionar, transformar em DVD e enviar a Hugo Possolo para a confecção do livro. Uma delas mostra o espetáculo “Le Cris du Camaleon”, que foi apresentado no Picadeiro da Cidade Jardim durante o FIT – Festival Internacional de Teatro em 1996, promovido, à época, por Ruth Escobar.

Outra fita mostra o 2º lugar obtido pela Picadeiro durante o Première Rampe (festival de escolas de circo), em Mônaco, nos anos de 1987 e 1995. Em uma terceira aparecem as “Irmãs Botero” no palco da escola em 2000. Há dez anos, elas deixaram o Picadeiro do Brasil para integrar o espetáculo “Zumanity” do Circo du Soleil, em Las Vegas. “São tantas histórias”, diz o circense.

Hoje, a Picadeiro Circo Escola tem 120 alunos, sendo, destes, quarenta bolsistas (a escola possui um projeto nas periferias que agrega jovens carentes). Também é a única escola que conta com o caminhão do trapézio voador há 20 anos. O centro de formação possui cinco professores, que, de acordo com José Wilson, “são muito bons”.

 

Vista geral do interior da Picadeiro em Osasco / Foto Asa Campos

 

Objetos da escola para o aprendizado do circo / Foto Asa Campos

 

Douglas Bardeline, professor de acrobacia de solo, malabares, tecido e trapézio de voos (que considera sua especialidade), é o coordenador da Picadeiro. Ele conta que dá aulas para pessoas que estão no Centro de Atendimento Psico Social (CAPS).

Começa nos próximos dias as atividades extras para dez jovens de 13 a 18 anos, envolvidos com drogas e álcool. “Esse trabalho que desenvolvemos ninguém faz”, assegura.

 

Douglar Bardeline, professor e oordenador da Picadeiro/ Foto Asa Campos

 

José Wilson relembra que a Picadeiro sempre teve o seu lado social: “De 87 a 94 montei mais de dez circos que se apresentavam para crianças carentes”. Em 89, ele e Alda Marcoantonio, secretária do Menor, ganharam o prêmio da ONU pelo trabalho de integração das crianças por meio da arte circense” (à época Quércia era o governador). “Em 94/95 montamos com elenco da Febem a peça ‘Dom Quixote’ no Memorial da América Latina e foi um sucesso”, afirma. “Ficamos na Febem um ano e pouco, à época em que o secretário de Cultura era o Marcos Mendonça” (no governo Mário Covas). 

 

Caminhão-trapézio

Douglas Bardeline, coordenador da Picadeiro, também cuida do caminhão-trapézio com entusiasmo. “É o único no mundo e foi doado pela Escola Châlons (Centro Nacional de Artes do Circo de Châlons-en-Champagne, da França) à Picadeiro, há quase 20 anos.

Pierre Bidon, da Châlons, foi quem idealizou o caminhão. Quando ele esteve em São Paulo ficou impressionado com o ensino da escola, que considerou arrojado, e deu o caminhão para a Picadeiro. Ele é computorizado, tem 15 metros de altura e 22 metros de comprimento. Encanta a plateia”, descreve Douglas.

Wilsinho, o filho mais velho de José Wilson, acompanha o caminhão-trapézio e relata ao Panis & Circus que o público é sempre numeroso para ver o espetáculo. “Em Ilha Grande (interior de São Paulo) a polícia precisou fechar as ruas laterais que davam acesso à praça porque já estavam lá 7 mil pessoas, considerada a lotação máxima permitida”, afirma.   

Há poucos dias, no final de semana de 15 e 16/6, o caminhão-trapézio se apresentou em Assis e Ourinhos dentro do Circuito Cultural Paulista.  

 

Caminhão-trapézio em apresentação em Ourinhos, interior de São Paulo / Foto Divulgação

 

José Wilson e integrantes do caminhão-trapézio / Foto Arquivo José Wilson

 

Conforme José Wilson, a Picadeiro trabalha em parceria com a Prefeitura de Osasco, havendo uma boa relação com ela. Durante toda a sua história, a escola evoluiu em competência. “Nem todas as escolas formam alunos com qualidade. As escolas têm de formar profissionais e não pessoas que querem pôr o corpo em forma. Nós formamos profissionais”, diz o circense.

 

Spadoni  

Sapadoni Circus / Foto Facebook

 

 

Há cinco anos, José Wilson resolveu voltar a viajar com a lona ao montar o circo Spadoni. Em junho, o circo viajava pelo interior de Minas Gerais. Quem administra o Spadoni e faz mágicas, literalmente, no palco, é Alessandra Nunes, mulher de José Wilson. Ela conta ao Panis & Circus que fazia trapézio, lira e corda (números aéreos) em circos como Napoli e Beto Carreiro antes de conhecer José Wilson. Hoje, é mágica e apresenta o número da caixa com espadas. Conta que aprendeu com ele. Há seis anos, os dois se conheceram, casaram e montaram o Spadoni – que já pertencera à família de José Wilson e estava desativado.

 

Alessandra Nunes no Spadoni / Foto Facebook

 

Pedro Henrique, de 3 anos, filho do casal, faz algumas pontinhas como o palhaço Perereca e viaja com o circo, que é itinerante. Por isso, ele “fica em uma escola por dez dias, depois pula para outra e fica mais 15 dias e assim por diante, dependendo das paradas”, conta Alessandra. Questionada se a itinerância não atrapalha os estudos, ela garante que não e que Pedro Henrique já sabe até algumas letras do alfabeto. Em muitas cidades, quando ele deixa a classe para seguir viagem com o circo, ganha uma festa. 

 

Pedro Henrique na cama elástica da escola / Foto Asa Campos

         

Alessandra Nunes, Fernando Sampaio, José Wilson, Pedro Henrique (no colo) e Domingos Montagner  durante bate-papo no Sesc Santo André / Foto Asa Campos

 

José Wilson disse que já atuou em várias profissões na área circense: “Fui desde trapezista até domador”. Aos 63 anos de idade, ele afirma que não se arrepende de ter fundado a Picadeiro Circo Escola. Em um panorama geral sobre o mundo circense, ele confessa: “Foi graças ao circo que conheci grandes pessoas, foi graças ao circo que pude formar grandes circenses e foi graças a ele, também, que pude educar os meus dois filhos”. 

 

 

(Colaborou Bruna Galvão e Bell Bacampos)

 

Postagem: Alyne Albuquerque

 

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