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Circo Vox encena história do picadeiro
Circo e teatro expandem estilo em metamorfose cômica inteligente
Na fronteira entre o circo das técnicas clássicas e o teatro épico contemporâneo, “Nostalgia” (2010), do Circo Vox, é uma comédia em homenagem às caravanas que rodavam por um Brasil em fase de urbanização crescente nas décadas de 40 a 70.
Desde 2008, os artistas da companhia Elena Cerântola e Gallo Cerello pesquisam números históricos, reconstroem atrações e imitam artistas do circo tradicional. A comédia é apresentada na lona armada no Memorial da América Latina, em São Paulo (SP), até 05/05.
Os personagens entram, apresentam-se e saem de cena como no circo, mesmo quando o domador de leões é de mentira e adestra um espectador. Os números são uma farsa, mas tem a moça da lira, o equilibrista de parada de mão, o malabarista e a acrobata da corda indiana de verdade. Todos se apresentam sem erros e buscam precisão. A lira e a corda são as atrações mais aplaudidas, ao lado dos números hilários de Elena Cerântola.
No rol de variedades há piadas com ilusionismo, com o domador de animais e uma piada atrás da outra – o que predomina na montagem.
“Nostalgia” conta a história de um palhaço triste – Doicinho (foto acima) – que trabalha e mora no circo e se queixa de sua companhia de artistas. Quer comer até explodir e morrer. Ao mesmo tempo, a montagem encena um espetáculo circense com as atrações típicas realizadas com os pequenos desastres dos três palhaços principais.
O espetáculo tem o mesmo tempo dos antigos, com uma extensa introdução dos palhaços e muita conversa com o público, que participa em três ou quatro cenas cômicas. Os palhaços de Elena e Gallo são os mestres de cerimônia e fazem a maioria dos números.
Eles se alternam com Doicinho, palhaço gordinho no estilo tradicional que entra triste em cena porque o circo está decadente e ele se sente discriminado pela trupe. Suas lágrimas encharcam o lenço e jorram molhando o público.
A banda tem uma cantora, um pianista e uma baterista, que tocam outros instrumentos e acompanham os passos dos personagens com sons onomatopaicos. De voz potente, a cantora entoa sons que imitam palavras sem sentido.
Estão com figurinos que dialogam com a indumentária dos palhaços e com a atmosfera de citações no enredo. O estilo plástico do picadeiro se mistura a traços contemporâneos geométricos, roupas de ginástica e túnica compradas na rua 25 de março, com muitas perucas.
A caricatura, a linguagem brega e a arte experimental se encontram e atritam o tempo todo, inclusive na atuação dramática, com desempenho muito acima da média.
Os atores organizam o quadro a quadro como comentários satíricos às atrações circenses. O tempo inteiro a trupe realiza interferências de modo distanciado. Como diz o palhaço Doicinho: “Respira fundo e entra no personagem!”.
O ápice de “Nostalgia” é o conjunto de cenas de ilusionismo cômico com a dupla de palhaços de Elena e Gallo. Atriz expressiva, Elena é o motor da comédia. Inventou a caricatura de uma figura feminina que fala rápido demais e ninguém entende. O número de levitação é um caos e seus trocadilhos muitas vezes nascem do improviso. No final, Elena exibe versatilidade em número na corda indiana, com graça e leveza.
As cenas são alternadas com exibições de vídeo que incluem depoimentos de artistas mais velhos, a maioria sem atividades hoje em picadeiros, como a trapezista Elza Marlene Alves Dias, de 73 anos, da família tradicional Alves, e Benedito Esbano, que faz o palhaço Picoly, de 84 anos.
De surpresa, uma artista que se apresentava na corda indiana e que foi entrevistada no filme, hoje com 54 anos, aparece na cena final para cumprimentar Elena e diz a frase clássica dos circenses: “Valeu a pena!”.
Ficha técnica
Autores e diretores: Elena Cerântola e Gallo Cerello (Circo Vox). Elenco: Biah Carfig, Elena Cerântola, Gallo Cerello, Fernando Zuben, Tatiana Ubinha, Mateus Bonassa, Gui Bressane, Gustavo Esteves, Adine Bardini e Tania Oliveira. O espetáculo integra o Projeto Nostalgia, que foi patrocinado pela Sabesp e recebeu o apoio da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo pelo Programa de Incentivo ao Teatro Paulista – 2008. Patrocínio atual principal: Petrobras.
Serviço
A companhia do Circo Vox indica o espetáculo para famílias com crianças a partir de sete anos. Duração: 1h40. Ingressos: R$ 20,00 e R$ 10,00. Sábados, às 21h, e domingos, às 19h30, no Memorial da América Latina. Veja informações detalhadas neste link.
(Mônica Rodrigues da Costa)
Tags: Circo Vox, Elena Cerântola, Gallo Cerello, Petrobras
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